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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Correias transmissoras da inflação

Os rumores acerca de um novo congelamento de preços trazem à baila, mais uma vez, a questão da oportunidade e da eficácia daquela estratégia antiinflacionária. O governo teme que a expectativa de um iminente congelamento desestabilize a inflação a curto prazo, precipitando assim um novo surto altista nos preços. Se isso ocorrer, a medida poderá se tornar inevitável, ainda que dentro de um contexto de absoluta incredulidade quanto a seus resultados.


O retorno da síndrome do congelamento apenas confirma que o diagnóstico inercialista quanto às causas da inflação brasileira ainda encontra respaldo nos fatos. Após o início da fase de flexibilização de preços instituída pelo Plano Bresser, a inflação caminhou rapidamente para o patamar atual de 16% a 20% mensais, onde se encontra - sem fortes indícios de alteração - nos últimos seis meses. Também as taxas de inflação por grupos de produtos e pelas regiões metropolitanas onde são coletados os preços mostram que a dispersão em torno da média geral IPC está diminuindo. De fato, fica fortalecida a hipótese da atual inercialidade inflacionária.


Feito esse diagnóstico, é correto concluir que um novo congelamento, seguido de medidas orientadas para demonstrar os mecanismos de indexação da economia, poderia dar certo?


O conceito da inércia inflacionária implica na existência de uma inflação relativamente neutra quanto aos seus efeitos distributivos. Isso significa dizer que os agentes econômicos disporiam de mecanismos de defesa capazes de lhes permitir conviver com os aumentos de preços.


Em outras palavras, teriam o poder de repassar custos, transmitindo ao restante da economia tanto a inflação passada quanto suas expectativas acerca da inflação futura. Mas, se o agente econômico não tem este poder, a transferência não se realiza. Nesse caso, a inflação inercial cessa.


O congelamento de preços é uma forma de seccionar essa correia transmissora da inflação; outra, é a resistência do mercado em aceitar preços mais elevados, no caso de setores mais competitivos, onde não haja poder monopolístico. Quando o mercado não sanciona as elevações de preços, a inflação acarreta efeitos redistributivos imediatos no agente que teve sua tentativa de repasse frustrada. No caso do congelamento, as perdas são absorvidas pelos setores com preços defasados, mas como ele nunca é permanente, o mecanismo inflacionário se recompõe.


Cabe observar que, no caso inercial, as pressões inflacionárias são acumuladas, jogando as taxas de elevação de preços para patamares mais altos; no caso da impossibilidade de repasse, as tensões inflacionárias são anuladas, ou amortecidas, pelos impactos distributivos que acarretam.


Feitas estas observações, pode-se retornar à questão da oportunidade de um novo congelamento. A conclusão é negativa. Em primeiro lugar - e nisso insistem as autoridades econômicas - ainda não estão debeladas algumas das principais causas realimentadoras da inflação, principalmente o déficit público. Nestas circunstâncias, após um período de preços constantes, a inflação retornaria rapidamente a seu patamar anterior. Em segundo lugar, na medida em que não se combata a essência da indexação, que inclui o poder monopolístico dos agentes econômicos, os fatores inflacionários estruturais, permanentes ou resultantes de choques exógenos, não seriam anulados, mas sim acumulados.


Nesse sentido, para uma política antiinflacionária duradoura, não basta congelar preços, nem mesmo se as pressões inflacionárias estruturais estiverem sob controle, pois novos choques poderão ocorrer inadvertidamente. O combate à inflação brasileira exigirá um conjunto de medidas que ataque não apenas suas causas - como o déficit público - mas que também destrua as correias transmissoras. Não se trata apenas de desindexar a economia, mas também de introduzir reformas que a tornem menos concentrada, mais aberta e mais competitiva.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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