A notícia de que a inflação de dezembro foi a mais alta deste governo deve ter deixado muitos leitores de jornais atônitos. Afinal, apenas alguns dias antes, os meios de comunicação haviam anunciado que a inflação começava a mostrar sinais de queda. O índice de custo de vida, ponta a ponta, medido pela Fipe, caiu, embora ligeiramente, pela quarta semana consecutiva. Como, então, explicar o salto inflacionário medido pelo IBGE?
Este fato não seria grave se comportasse apenas uma explicação técnica que justificasse esta aparente contradição. Infelizmente, contudo, ele tem implicações econômicas preocupantes.
Primeiro, a justificativa para a aparente contradição é de ordem puramente metodológica. Os índices, ponta a ponta, medem a variação dos preços observados em um determinado dia em relação aos verificados exatamente trinta dias antes. Em outras palavras, se hoje, 29 de dezembro, um produto custa Cr$ 110,00, e no dia 29 de novembro custava Cr$ 100,00, a inflação foi de 10%, ou seja, 110/100.
O índice do IBGE é calculado de forma diferente. O preço médio dos últimos trinta dias é comparado à média dos trinta dias anteriores. Assim, a inflação atual vai depender não apenas dos preços em 29 de dezembro e em 29 de novembro, mas também dos preços em 29 de outubro, que suporemos terem sido Cr$ 83,33.
Neste exemplo, o índice ponta a ponta mostraria uma inflação de 20% em novembro e de 10% em dezembro. Mas o índice média sobre média apontaria em dezembro uma inflação de 14,55%, ou seja, (110 + 100)/2 dividido por (100 + 83,33)/2.
Supondo-se que em janeiro a inflação ponta a ponta fosse novamente de 10%, os preços teriam subido para Cr$ 121,00, e o índice das médias também apontaria o mesmo valor. Houve uma defasagem de um mês para que a convergisse para 10%. Mas, se a elevação de preços tivesse sido menor do que 10% no dia 30 de janeiro, novamente o índice das médias mostraria taxas maiores de inflação do que pelo critério das pontas.
Esta é uma explicação simples para uma questão que parecia complicada. Diferenças metodológicas mostram que o critério das médias amortece as variações de preços observadas no mercado e, portanto, mudanças no patamar de inflação demoram mais tempo aparecer do que nos indicações ponta a ponta.
Mas se esta explicação tranquiliza o leitor ansioso para entender a aparente contradição, ela deve deixar em pânico aquele mais preocupado com a política antiinflacionária do governo.
Sabe-se que a indexação no Brasil deixou de ser uma medida de proteção contra perdas advindas da inflação passada para se tornar um método preventivo de inflação pelo método das médias eventuais perdas futuras. É o que chamei em outros trabalhos da passagem da indexação "ex-post" - quando aumentos de preços têm como meta repor perdas já ocorridas - para a indexação "ex-ante" - na qual os agentes aumentam preços mesmo antes de terem sofrido perdas, para evitar que elas ocorram. Quanto mais alta a inflação, maior a velocidade da transição da indexação "ex-post" para a indexação "ex-ante".
Feitas estas observações, fica patente a enormidade da distorção que se introduz na economia quando o governo usa como indexador universal índices de inflação calculados pelo critério das médias. Como índice de custo de vida, ele pode ser facilmente defendido. Contudo, como indexador, o critério das médias mascara mudanças na aceleração inflacionária. Quando ela dá sinais de queda, o índice retarda esta constatação, da mesma forma que também esconde eventuais repiques inflacionários. Os índices, ponta a ponta, por outro lado, refletem com maior presteza as variações nos preços, e mostram com maior nitidez a inflação corrente, aquela que se vive em cada período de análise. Como indexador da economia, os índices ponta a ponta são mais apropriados. Principalmente se se constata que a indexação já é "ex-ante".
No exemplo citado, os agentes econômicos estarão corrigindo seus preços em 14,5%, quando a inflação corrente é de 10%. Além disso, o impacto negativo nas expectativas é colossal. A não confirmação estatística da queda da inflação, ainda que ela possa de fato ter ocorrido, fará com que os agentes econômicos embutam em seus preços margens adicionais por conta de novas acelerações. Em suma, a indexação "ex-ante", juntamente com indexadores baseados em índices de preços computados pelo critério das médias, produz uma combinação inconsistente com uma trajetória de queda da inflação.
Ademais, como os salários ainda são provavelmente os únicos preços sujeitos a critérios de indexação "ex-post", esta indigesta combinação produzirá perdas de rendimentos reais do trabalho e mais recessão.
A contradição observada nas páginas de jornais é fácil de entender. O difícil é aceitar que uma política antiinflacionária essencialmente correta esteja sendo prejudicada por uma mera propriedade estatística na construção de índices de inflação.