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Marcos Cintra - O Estado de S. Paulo

Imposto Único: insinuações e fatos

Em recentes artigos publicados na Folha de S. Paulo (7/2/93 e 13/2/93) e no Estado (28/2/93), o ex-ministro Mailson da Nóbrega investe contra o IPMF. Mas o verdadeiro alvo é outro: o Imposto Único que tem possibilidades concretas de ser aprovado na próxima revisão constitucional. As críticas apresentadas são monumentos ao despreparo técnico, ao desconhecimento da literatura, ao conservadorismo acadêmico e à deslealdade intelectual.


Abordo hoje a infidelidade de algumas interpretações factuais. Em "Um precedente perigoso" (Folha, 13/2/93) e em "A culpa do IPMF é de um americano" (Estado, 28/2/93), o ex-ministro entra no campo da fofoca, da intriga e da maledicência. Afirma que a proposta do Imposto Único foi "importada" dos Estados Unidos em 1989 depois de criada por Edgard Felga. Por pouco não faz acusação de plágio, embora a insinuação seja mais do que evidente.


A primeira vez que escrevi sobre o Imposto Único sobre Transações foi em janeiro de 1990. E o fiz após alguns meses de reflexão, durante os quais não tive conhecimento do trabalho de Felga nem de nenhuma outra proposta semelhante. Alguns dias antes de publicar o artigo "Por uma revolução tributária", que lançou o Imposto Único no Brasil, fui informado pelo professor Carlos Longo de que semanas antes algo semelhante teria sido discutido num congresso realizado na Argentina. Imediatamente, Longo se prontificou a tentar localizar em seus pertences o trabalho de Feige. Foi tipicamente um caso de trabalho paralelo, sem conhecimento mútuo. Fiz menção a este fato e ao trabalho de Felge no primeiro artigo que escrevi sobre o Imposto Único. Viemos a ter contato e a nos corresponder algum tempo depois.


A ideia da unicidade tributária tem raízes seculares e conta com uma ampla, variada e respeitável literatura. Foi primeiramente formalizada pelos fisiocratas, que defendiam um Imposto único sobre a propriedade fundiária. Outros defenderam projetos semelhantes, como Henri George no século passado e Edouard Schiller nos anos 50. De forma menos radical, Kalder defendeu uma reforma tributária baseada no imposto sobre consumo. Agora mesmo se defende o imposto único no Canadá (vide "The Single Tax", Dennis Mills, Hemlock Press, Toronto, 1990). Nos Estados Unidos, visa-se também à radical simplificação tributária (vide "The Flat Tax", R. Hall e A. Rabushka, Hoover Institution Press, Stanford, 1985), ainda que com características diferentes do IUT.


Por outro lado, o uso da "transação" financeira como base de incidência tributária é recente. Surgiu com a preponderância da moeda escritural sobre a moeda manual e com os efeitos da era da cibernética na informatização bancária. Em fevereiro do ano passado, Pies Gandra da Silva Martins descobriu e divulgou amplamente que a criação de uma taxa sobre transações bancárias havia sido proposta nos Estados Unidos pelo advogado John Newman em 1986, e defendida no Congresso norte-americano pelo senador Kerry e pelo deputado Joe Kennedy em 1991. Impostos sobre transações financeiras, em suas mais variadas formas, têm sido aplicados na Argentina, na Austrália, no Peru e também no Brasil, pois o IOF é um imposto sobre transações realizadas no mercado financeiro. Porém, a conjugação do Imposto Único com a transação bancária, cuja paternidade reivindico, surge agora. Esta é a novidade, e veio para ficar. E não se deve a nenhum "americano".


Como se vê, o conceito do imposto único é amplo e vem sendo discutido há séculos. Impostos sobre transações também não são inéditos, embora mais recentes. E o fato de esta conjugação ter pipocado em trabalhos paralelos mostra que a ideia da tributação sobre fluxos financeiros amadureceu. É um indicador da força deste conceito e não de sua fragilidade, como erroneamente insinua o ex-ministro.


A substituição da moeda manual pela escritural, a brutal evolução da informática e seu impacto no sistema bancário, e a possibilidade de um sistema tributário não-declaratório e, portanto, ágil, barato, universal e imune à corrupção e à evasão são fatos de uma gritante contemporaneidade e fazem do Imposto Único sobre Transações uma ideia cujo tempo chegou. Tenho analisado e discutido a proposta da unicidade tributária desde meados da década de 80 e defendi durante alguns anos em discussões no Instituto Tancredo Neves, com Cláudio Lembo, Marco Maciel, Everardo Maciel, Gustavo Krause, Paulo Guedes e Paulo Rabelo de Castro, a implantação de um imposto único sobre consumo, nos moldes da proposta de Kalder (vide "Uma proposta de política econômica", Conjuntura, FGV, dezembro 1987; e "A nova economia", mimeo, Senado Federal, 1988).


Esta explicação visa desfazer as maliciosas insinuações do ex-ministro. Carlos Longo, conhecida e respeitada personalidade, está aí e pode confirmar estes fatos. Apesar da resistência da Febraban e das contínuas críticas de Mailson da Nóbrega, a proposta do Imposto Único está enraizada. Pesquisa realizada em agosto de 1992 mostrou que 58% dos parlamentares federais eram favoráveis ao IUT. Outra pesquisa em janeiro de 1993, realizada pela Price Waterhouse de São Paulo, constatou que 46,61% dos empresários entrevistados apontaram o IUT como a fórmula para a simplificação do sistema tributário brasileiro. Também impressionante foi o resultado da pesquisa Data-Folha divulgada em 19 de fevereiro. Mostra que 64% dos paulistanos apoiariam o Imposto Único. Com certeza se trata de recordista nacional em termos de projetos de reforma tributária e um dos temas que mais têm galvanizado a opinião pública brasileira. Acumulam frustrações os que apontam suas baterias contra o IPMF, esperando que, com isso, também estejam combatendo o Imposto Único. Particularmente alentador na pesquisa Data-Folha é que 59% dos entrevistados não concordam com a criação do IPMF. Mas, na mesma mostra, 64% desejam o IUT. Vamos a ele na reforma constitucional.





Marcos Cintra, economista, professor da FGV, vereador, é titular da Secretaria Municipal do Planejamento e da Secretaria Municipal de Privatização e Parceria de São Paulo.



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