Diante da deterioração das contas externas brasileiras e da necessidade de recompor o superávit comercial para garantir o serviço da dívida externa, surge a questão de se a política econômica a ser adotada deve ser contracionista ou não. Seja para pagar juros ou para reduzir a dívida, é urgente gerar superávits comerciais, sem os quais o país não poderá manter um crescimento econômico sustentável a longo prazo.
A partir da tradicional identidade das Contas Nacionais (agregando os setores público e privado), nota-se que o PIB é igual à soma do consumo, investimento e a diferença entre exportações e importações de bens e serviços. Diante desse truísmo, fica claro que, mantendo tudo o mais constante, quanto maior o superávit comercial de bens e serviços, maior será o PIB. Alguns economistas argumentam que a geração de superávits nas contas comerciais externas pode ser alcançada sem a necessidade de uma contração interna. Citam como exemplo a Alemanha e o Japão, que, apesar de exportarem uma parcela significativa de seus PIBs, conseguem manter um forte crescimento econômico.
No entanto, é importante lembrar que essa relação básica é estática e reflete apenas uma identidade contábil "a posteriori", não explicando os mecanismos dinâmicos que ligam todas as variáveis dessa identidade. Uma coisa é manter uma taxa de crescimento positiva enquanto se mantém um superávit comercial elevado, quando a economia já está ajustada a uma certa composição entre demanda externa e interna. Outra coisa é tentar gerar um superávit comercial, ou seja, mudar a composição da demanda agregada, como o Brasil precisa fazer agora. No segundo caso, o que se deseja é um movimento desequilibrado, onde os componentes do PIB evoluam a taxas diferentes.
Para expandir o saldo comercial, suponhamos inicialmente que as exportações aumentem, elevando a renda interna. No entanto, com o aumento da renda, o consumo doméstico e as importações também tendem a crescer, o que diminuiria o superávit desejado. Portanto, para manter o saldo, é necessário conter o consumo interno e as importações, o que pode ser alcançado por meio da redução dos salários reais e da desvalorização da moeda. Essas medidas, juntamente com o controle das importações, resultariam em um movimento de preços favorável aos produtos exportados e desfavorável aos produtos de consumo interno.
Essa é uma situação muito diferente daquela em que uma economia ajustada cresce através da expansão de suas exportações, onde o aumento das vendas externas é acompanhado por aumentos nas importações e na absorção interna do produto. No caso brasileiro, a intenção é alterar a composição da demanda agregada, e, nesse sentido, a inter-relação entre seus vários componentes torna inevitável, até que o ajuste seja realizado, uma contração na atividade econômica interna.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é doutor pela Universidade de Harvard, chefe do Departamento de Economia da FGV/SP e consultor de economia desta Folha.