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  • Marcos Cintra

As contradições do projeto de uso do solo urbano

O anteprojeto de lei de uso do solo urbano há anos vem sendo trabalhado pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Urbano. Sempre que divulgado, tem recebido comentários dos mais contraditórios. A leitura de seus objetivos suscita aprovação unânime, pois reflete aspirações de todos que vivem e se preocupam com os problemas gerados pelos conglomerados urbanos modernos. Portanto, o projeto tem explicitado em seus objetivos, intentos amplamente aceitos e de indubitável cunho social.


A avaliação do projeto, no entanto, não se pode limitar ao julgamento de seus intentos e de seus princípios norteadores. Deve-se apurar também a adequação dos instrumentos propostos às finalidades explicitadas. Com relação à atividade de parcelamento do solo julgamos importante considerar as questões suscitadas pelo projeto que mais diretamente a afetam.


No artigo 3.°, conforme exposição de motivos do ministro Mário Andreazza, "o projeto introduz distinção básica entre licença e autorização, atos administrativos de natureza diversa. Pela autorização, permite-se ao poder público avaliar a conveniência e a oportunidade de permitir o parcelamento ou remembramento do solo e a implantação de equipamentos urbanos e comunitários" (grifo nosso). "Já a licença é ato administrativo vinculado que o projeto prevê para a construção — uma vez preenchidos os requisitos exigidos por lei, o proprietário tem o direito de construir" (grifo nosso).


Pergunta-se agora: por que, uma vez preenchidos os requisitos exigidos por lei, o proprietário não tem o direito de parcelar o solo, como o tem o proprietário que construir, mas, ao invés, acha-se ainda sujeito à avaliação de conveniência ou oportunidade de permiti-lo por parte das autoridades? Como exposto pelo Jurista Toshio Mukai, "trata-se de tentativa de, legalmente, transformar o ato de aprovação de um loteamento, que, por natureza, e mesmo diante da Constituição Federal, deve ser um ato administrativo vinculado (licença), em ato administrativo discricionário (autorização)".


Parece-nos, portanto, descabida a pretensão do projeto de transformar o ato administrativo da licença em ato administrativo de autorização. Esta transformação, já que lotear é direito inerente à propriedade, fere o direito individual do proprietário na medida em que o coloca à mercê de uma avaliação de conveniência e de oportunidade inteiramente arbitrária e sobre a qual nenhum recurso poderá interpor.


Os artigos 29 e 31 tratam do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. Conforme exposição de motivos, o objetivo é "a efetiva utilização de glebas ou terrenos que, situados em áreas já dotadas de equipamentos urbanos e comunitários, sejam mantidos ociosos por seus proprietários". Não cumprida a obrigatoriedade de utilização por parte do proprietário, as glebas ou terrenos poderão ser desapropriados, facultando-se a sua alienação a terceiros que assumam a obrigação estabelecida.


O objetivo de dar utilização aos chamados "vazios urbanos" é, sem dúvida, louvável. Não se justifica, porém, a forma arbitrária como se propõe alcançá-lo. A utilização compulsória acarretará uma queda acentuada no valor de mercado do imóvel, mormente se seus proprietários não possuem, por si só, os recursos para dar à gleba a utilização obrigatória. Portanto, seja em composição com terceiros, seja por meio de desapropriação, o proprietário estará sujeito a substancial perda do valor de seu imóvel, particularmente se a utilização a que está obrigado não for compatível com a vocação do mesmo face ao mercado.


Desta forma, pergunta-se: por que não orientar a solução deste problema no sentido de a) utilização prioritária para as áreas pertencentes aos poderes públicos, indubitavelmente os maiores proprietários individuais de terras ociosas, e b) no caso de áreas privadas, utilização dos mecanismos de indução fiscal amplamente empregados em todas as democracias avançadas do mundo? A aplicação de Imposto municipal progressivo com relação ao tempo e ao tamanho das áreas, consideradas as possíveis limitações de lei ou de mercado aplicáveis, obteria os efeitos de eliminação dos grandes vazios urbanos, sem os traumatismos que a utilização compulsória poderá acarretar. Uma vez que as glebas sejam adequadamente utilizadas, as alíquotas de impostos seriam reduzidas, criando importante incentivo à eliminação de terras ociosas.


Marcos Cintra Cavalcanti, professor de economia da Fundação Getulio Vargas e presidente do Associação Profissional das Empresas do Estado de São Paulo.


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