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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O modelo de estagflação

Pouco a pouco, a economia brasileira adquire as mesmas características alarmantes que justificaram a adoção do Plano Bresser em meados do ano. A inflação entra numa fase de aceleração, podendo bater novamente no patamar de 20% já no mês de dezembro; a expectativa de novo congelamento de preços exacerba as pressões inflacionárias ao induzir empresários a praticarem reajustes preventivos de preços; o nível de atividade no comércio e na indústria mostra-se cada vez mais frouxo, embora os índices de emprego ainda se mantenham razoavelmente constantes; os salários reais acham-se ainda comprimidos; e os orçamentos públicos não foram postos sob controle. Em outras palavras, é a ameaça da estagflação que ronda o país.


Com exceção da balança comercial que mostrou forte recuperação, mas que por outro lado contribuiu para o quadro de desaquecimento interno, os fatos novos presentes na atual conjuntura também não são favoráveis. A política salarial --com a elevação dos reajustes mensais automáticos e com as negociações recentes que, regra geral, estão recompondo os valores atingidos no ano passado-- entra numa rota bastante semelhante à observada no final do ano passado e nos meses seguintes. Praticamente se está reproduzindo um nível de salários incompatível com as perspectivas de crescimento da oferta (tal como nos últimos meses de 1986) e os reajustes quase que simulam a desastrosa experiência do gatilho, no primeiro semestre de 1987. Cria-se assim, uma situação que somente poderá ser reequilibrada por meio de uma nova aceleração inflacionária, como já vem ocorrendo.


É difícil vislumbrar saídas para o impasse, tanto por suas características técnicas, mas sobretudo pelos entraves políticos que dificultam sua implementação. Os caminhos heterodoxos, como congelamentos e outras medidas de laboratório, não são mais sustentáveis. A economia tem mecanismos de auto-regulação que acabam neutralizando tais soluções. Um exemplo típico é a atual política salarial que simplesmente não é mais respeitada, embora ainda esteja formalmente em vigor.


O governo envereda pelo lado das modificações estruturais, tais como as anunciadas alterações tributárias, as reformas orçamentárias e as mudanças planejadas para a área do comércio exterior. Sem dúvida são projetos importantes, que há muito já deveriam ter sido contemplados. Não obstante, não há como imaginar que questões conjunturais, tais como as que a economia brasileira enfrenta no momento, possam ser sanadas com providências desta ordem, que provavelmente só surtirão efeitos no médio e longo prazos.


O fundamental é que enquanto não se conseguir aumentar a taxa de investimento no Brasil, estaremos caminhando numa trajetória marcada pela estagflação, quaisquer que sejam as providências de curto prazo adotadas. E a recuperação dos investimentos exigirá mais do que medidas tópicas, urge um novo modelo de crescimento.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é Doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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