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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A inflação e as festas de outubro

A aceleração inflacionária em setembro não deveria causar surpresas. Afinal, a estabilidade obtida nos dois meses anteriores deveu-se basicamente à forte compressão do poder aquisitivo da população, resultante da ausência de uma política salarial até praticamente o início de agosto.


Vale lembrar que a lei salarial foi aprovada apenas em julho, e os recebimentos por parte dos trabalhadores deram-se apenas no final do mês, ou no início de agosto - portanto, na metade final do período de coleta de preços do mês passado. É no IPC de setembro que, pela primeira vez, o impacto total da nova política salarial será sentido nos índices inflacionários.


Não bastassem as pressões inflacionárias que já começam a ser sentidas com maior intensidade, os três meses finais do ano são cruciais no tocante à inflação. Isto se deve em geral aos dissídios de importantes categorias profissionais, como os bancários e os trabalhadores em alimentação, cujo impacto será sentido pela economia em outubro; além disso, surgem as vendas de fim de ano. Como a conjuntura é de plena utilização da capacidade instalada, percebe-se facilmente porque já se exacerbam as expectativas, cada vez mais evidentes, de uma nova aceleração inflacionária. Os consumidores antecipam compras; o comércio reinicia a formação de estoques.


Para completar o quadro, bastante preocupante, cabe acrescentar que, segundo a legislação salarial em vigor, o salário mínimo passará a ter aumentos reais de 3% todo mês. E outubro já inicia com a incorporação dos ganhos devidos, porém não pagos, desde julho, o que implicará um salto de 12,5% reais.


É difícil imaginar que, nestas condições, não se presenciará uma nova espiral inflacionária. Mesmo que não houvessem ganhos reais nos salários - e eles existem e tornam-se cada vez mais significativos - a forte indexação permitida pela lei salarial irá impactar os preços.


O mecanismo de como a indexação alimenta a inflação - embora à primeira vista possa parecer neutra, pois sua função é apenas recompor perdas causadas pela inflação corrente - é o seguinte: a taxa de inflação é uma média, havendo, portanto, preços que aumentam mais, outros menos; dada a restrição orçamentária, o consumidor ajusta a composição da cesta de mercadorias que adquire, levando em conta as alterações nos preços relativos dos produtos disponíveis; dada também a plena utilização da capacidade produtiva instalada, o aumento na demanda pelos produtos que se tornaram relativamente mais baratos acaba pressionando aqueles preços, que se incorporam na taxa de inflação e se propagam por toda a economia.


Há uma assimetria nesse processo. Aumentos setoriais de demanda fazem os preços subirem acima da inflação média, mas naqueles setores nos quais a demanda cai - por força de aumentos anteriores em seus preços relativos - prevalece a inflação média. Daí a tendência sempre ascendente da inflação em condições de pleno emprego de fatores, mesmo que não haja crescimento na renda real.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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