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  • Marcos Cintra - O Estado de S. Paulo

Pura necessidade

"The men and women of this country who toil are the ones who bear the cost of the Government. Every dollar that we carelessly waste means that their life will be so much the more meager. Every dollar that we prudently save means that their life will be so much the more abundant." - Presidente Calvin Coolidge


A aristocracia burocrática recusa-se a divulgar seus salários e privilégios


O setor público foi decisivo no processo de crescimento econômico do Brasil. Sem ele, o país não teria mostrado seu excelente desempenho a partir dos anos 40. Por outro lado, o mesmo setor público é responsável pela intensa deterioração ocorrida no país nos últimos 15 anos. Acreditar que ainda cabe ao Estado a tarefa de prover recursos e gerenciar atividades produtivas é vestir a carapuça do atraso e do anacronismo. Se, no passado, a intervenção pública foi solução, hoje é apenas problema.


Os exemplos abundantes de ineficiência do setor público mostram que a questão é estrutural. A propriedade pública, em vez de ser considerada propriedade de todos, é tidа como sendo de ninguém, quando não apropriada indevidamente por dirigentes inescrupulosos ou pelas corporações de funcionários e burocratas. Uma prova gritante pode ser encontrada nas boas respostas obtidas pelas empresas estatais recentemente privatizadas. A Acesita, que em seus quase 50 anos de existência sofreu prejuízos ininterruptos, obteve lucro de US$ 30 milhões em 1993, seu primeiro ano de vida como empresa privada. A empresa produziu mais e melhor, com menos funcionários, e vendeu aos mesmos preços que antes.


A CSN absorveu US$ 1,5 bilhão dos cofres públicos entre 1985 e 1989. Uma explicação para a existência deste sorvedouro de recursos são os custos elevados de obras e investimentos públicos relativamente aos mesmos bens e serviços quando contratados pelo setor privado. Naquela empresa, contratos negociados por US$ 180 milhões com dirigentes públicos estão sendo renegociados, após a privatização, por menos de um terço daquela cifra.


Para a duplicação da Rodovia Fernão Dias, o DNER, estatal, estimou custos de US$ 1 bilhão, ao passo que o preço da empresa privada vencedora da licitação não chegou a US$ 600 milhões. Um recente estudo do Ministério do Planejamento comprova que, em média, os custos das empresas estatais são 50% mais elevados do que os das empresas privadas.


Além de ineficientes, as estatais são indisciplinadas. Tornaram-se verdadeiros feudos da nomenklatura, impassíveis em seus desígnios até perante as diretrizes financeiras: houve estouro de quase 15% nas dotações orçamentárias de 1993. Esta aristocracia burocrática desafia ministros da República e se recusa a divulgar seus salários e privilégios, custeados com a corrosão inflacionária dos salários de seus patrões, o povo. Como sempre, no Brasil, o modismo chega rápido, mas as realizações marcham a passo de cágado. Em 1981, quando a Sest fez seu primeiro levantamento das estatais (eram 500 empresas federais), foi criado o Programa de Desestatização, um dos primeiros em todo o mundo. Mas o processo tem sido lento.


Em seus primeiros dez anos de existência, a privatização foi apenas simbólica do ponto de vista financeiro, rendendo menos de US$ 800 milhões. Enquanto entre 1988 e 1992 o total arrecadado na América Latina com a privatização foi de US$ 46 bilhões, o Brasil ficou com apenas US$ 5,3 bilhões. Países muito menores, como a Argentina e o México, absorveram, respectivamente, US$ 17,6 bilhões e US$ 21,4 bilhões.


Atualmente, o Programa Nacional de Desestatização engloba apenas 66 empresas. Mesmo assim, apenas uma fração de 25 foi privatizada, ao preço de US$ 7 bilhões.


Em suma, os governantes no Brasil foram incapazes de ver que o modelo de desenvolvimento financeiro suplementado com capitais públicos se esgotou. O país não mostrou capacidade para se transformar, ficando prisioneiro do discurso anacrônico do estatismo das décadas de 50, 60 e 70, que apenas naquela fase histórica se mostrara apropriado. Uma história de sucesso que transformou seus heróis em reféns.


Finalmente, um alerta: desestatizar e enxugar o setor público não significa estrangulá-lo, deixando-o morrer à mingua. Em todos os níveis de governo, as empresas estatais estão sucateadas. Os cortes são lineares, afetando igualmente luxuosos hotéis e miseráveis escolas na periferia dos centros urbanos. Faltam carpetes de luxo e ar condicionado nos suntuosos salões de exposição públicos, da mesma forma que faltam medicamentos, médicos e enfermeiras nos hospitais que atendem os pobres. Ignora-se solenemente a distinção fundamental entre as atividades que não cabe mais ao governo desempenhar e, portanto, a serem transferidas completamente da alçada pública e as funções típicas de governo a serem fortalecidas e fortemente capitalizadas com recursos governamentais. Coloca-se tudo na vala comum do desleixo, da falta de investimentos, de completa desmotivação do funcionalismo, dos baixos salários, do "bico" nos empregos públicos e da corrupção dos "rent seekers".


Basta de pseudocapitalismo e de criptoestatismo. Privatizar não é modismo; não é ideologia. É pura necessidade.


Marcos Cintra, professor da FGV-SP, é vereador em São Paulo (PL)

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