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  • Marcos Cintra - Correio Braziliense

Os impostos cumulativos e o IVA

Uma pessoa que pela primeira vez se interessasse em conhecer a literatura sobre reforma tributária chegaria a uma curiosa conclusão. A de que toda essa polêmica gira quase que exclusivamente em torno da extinção dos tributos em cascata. De fato, no último dia 9 de agosto, algumas entidades empresariais brasileiras divulgaram um manifesto contra o governo, cobrando a reforma tributária que não aconteceu.


A análise do documento, contudo, demonstra que a verdadeira meta dos empresários aparentemente não foi a ampla discussão da questão tributária, com todas as suas anomalias, mas apenas um manifesto contra a cumulatividade. A leitura do documento revela que nada foi reivindicado quanto à sonegação, à corrupção, aos altos custos relacionados às obrigações tributárias impostas aos contribuintes, à burocracia ou à iniqüidade do atual sistema de arrecadação de impostos no Brasil.


O mais curioso, contudo, é que os representantes das classes produtivas não enxergam sua própria realidade ao se manifestarem contra os impostos em cascata. Mais de 90% das empresas brasileiras são tributadas de forma cumulativa. Não se trata de uma imposição, mas de sua própria opção.


Roberto Campos certa vez se referiu à intrigante distinção feita pelos meios empresariais brasileiros entre dois tipos de cascatas. Uma, tida como maligna, inclui os odiados CPME, PIS e Cofins. Contra eles são disparadas todas as críticas, justas ou injustas.


Por outro lado, existem tributos que, mesmo sendo cumulativos, são unanimemente aplaudidos pelos empresários, tidos como elogiáveis contribuições que o Brasil oferece à ciência tributária. São eles o Simples e o imposto de renda das empresas tributadas pela modalidade do lucro presumido.


Cumpre observar que nesses dois casos a opção é exclusivamente das empresas, e que, ao fazerem essa escolha, estão reduzindo suas obrigações tributárias. Merecem, portanto, rasgados elogios das lideranças empresariais, mesmo que do ponto de vista estritamente técnico o Simples e o lucro presumido sejam impostos em cascata tanto quanto o CPMF e a Cofins.


Em resumo, quando a carga tributária pode ser reduzida, a cascata é considerada benigna até pelos ferrenhos críticos da cumulatividade. Contudo, quando a cascata implica carga tributária alta e insonegável, torna-se diabólica.


Vários analistas políticos, jornalistas econômicos e principalmente tributaristas e fiscais de impostos criticam os tributos cumulativos e não poupam elogios veementes aos "modernos" impostos sobre valor agregado, como o ICMS. Defendem os impostos do tipo IVA como se fossem a oitava maravilha do mundo. Consideram justos, neutros e eficientes.


É FORÇOSO CONCLUIR QUE A CRÍTICA À CUMULATIVIDADE É, NA REALIDADE, UM BRADO DE REVOLTA CONTRA A ALTA CARGA TRIBUTÁRIA. PENA QUE ISSO NÃO SEJA CLARAMENTE EXPLICITADO, TRAZENDO MAIS TRANSPARÊNCIA E RACIONALIDADE AO DEBATE SOBRE O TEMA.


Em primeiro lugar, deve ser dito com clareza que nenhum imposto é neutro, seja ele cumulativo, seja sobre valor agregado. Todos os impostos possuem vantagens e desvantagens.


O IVA pode ter vantagens, pois se alega que introduz menos alterações nos preços relativos dos insumos. Contudo, a afirmação se baseia na aceitação da premissa da existência de mercados competitivos perfeitos. Sabe-se, contudo, que tal hipótese tem uma função essencialmente heurística e que na prática os mercados não satisfazem os quesitos para serem considerados perfeitos. Nessas condições, a teoria do second best já demonstrou que se torna impossível fixar um ordenamento confiável de situações alternativas do mercado sem uma análise pontual e específica de cada cenário, o que evidentemente não é feito quando se afirma a priori que tributos sobre valor agregado são mais eficientes que os cumulativos.


Ademais, é sabido que a teoria do bem-estar demonstra que a sociedade poderá não optar por uma situação alocativamente eficiente se, comparada a outra situação, mesmo que ineficiente, puder atingir um ponto superior em sua função de bem-estar social.


Por sua vez, os impostos cumulativos também causam distorções típicas. Introduzem alterações nos preços relativos dos insumos, ainda que seus efeitos negativos sejam fortemente mitigados por terem alíquotas marginais baixas. Os tributos cumulativos são menos transparentes, pois se espalham na produção e tornam-se invisíveis, exceção à última operação, onde sua transparência é maior que a dos IVAs. No caso das exportações, os tributos cumulativos exigem métodos mais complexos de desoneração da produção, ainda que seja um problema técnico perfeitamente contornável.


O importante no caso brasileiro é que, na comparação entre vantagens e desvantagens, os impostos cumulativos apresentam amplo saldo positivo. Não discriminam contra os salários, têm alíquotas muito mais baixas que os IVAs e, com isso, desestimulam a sonegação e a corrupção. Ademais, têm custos baixíssimos de operação, quase zero no caso dos impostos eletrônicos como a CPME. Portanto, custam menos à sociedade e reduzem significativamente o famigerado custo Brasil. Só não os aprovam aqueles que, mesmo que não o admitam, se beneficiam das mazelas do atual sistema tributário.




Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), Professor Titular e Vice-Presidente da Fundação Getulio Vargas, e Deputado Federal pelo PFL-SP.

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