- Marcos Cintra - Folha de S.Paulo
Delírio burocrático
Entender a confusa legislação tributária no Brasil é uma tarefa difícil até para os mais experientes tributaristas. Para o contribuinte é um fator de risco considerável, já que qualquer falha de interpretação pode significar indício de fraude para o fisco, expondo-o a severas punições. A burocracia tributária no Brasil é uma praga cada vez mais resistente. A produção de normas não cessa e torna a vida do contribuinte um inferno. Há estimativas mostrando que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, até 2007 foram editadas nos três níveis de governo quase 236 mil normas tributárias no país. Isso equivale a 50 novas regras por dia útil. É uma proliferação insana de leis, decretos, medidas provisórias, emendas, normas complementares, entre outros instrumentos jurídicos, que acabam impondo pesados custos aos contribuintes, sobretudo às empresas. Se já não bastasse a opressão fiscal que extrai cerca de 36% da renda do setor produtivo, as empresas no Brasil são obrigadas a conviver com gastos adicionais para atender às imposições acessórias do fisco. Esse “custos de conformidade”, como a literatura especializada vem chamando esses encargos impostos aos contribuintes, chegam a 0,75% do PIB (tomando por base pesquisas feitas junto à média das empresas abertas brasileiras). E podem atingir o equivalente a 5,82% do PIB, quando se considera esse desembolso para as companhias abertas com receita bruta anual de até R$ 100 milhões, classe que inclui a ampla maioria das empresas brasileiras. Recentemente o Banco Mundial, em parceria com a consultoria Price Water House Coopers, publicou um estudo comparando o tempo que as empresas gastam para apurar tributos a pagar em 178 países. Uma empresa submetida à legislação tributária brasileira gasta por ano 2.600 horas (equivalente a 108 dias e oito horas) com a burocracia nos três níveis de governo, enquanto que a média mundial é de 1.344 horas (equivalente a 56 dias no ano). No Chile são necessárias 316 horas; na China, 872; na Índia, 272; na Rússia, 448; e, na Argentina, 615. A estrutura tributária brasileira como um todo é muito ruim, mas há tributos que são símbolos do caos que prevalece no país. Continuam vigindo, por exemplo, o PIS e a Cofins, contribuições que passaram a ter uma calamitosa proliferação de normas e procedimentos regulatórios desde quando os críticos da cumulatividade impuseram a tese de que a solução seria cobrá-las sobre o valor agregado. E, sintomaticamente, o único tributo que era simples, transparente, sem custo para o governo ou para o contribuinte e altamente produtivo na arrecadação, a CPMF, foi sumariamente trucidada por uma bem urdida ação política, e que irá acarretar impactos altamente nocivos à economia do país. Surge agora mais uma fonte para alimentar o apetite burocrático de nossos tributaristas: a Nota Fiscal Eletrônica. Será mais uma tentativa de “aperfeiçoar o obsoleto”, como diria o saudoso Roberto Campos. Será mais um instrumento para aumentar o custo tributário das empresas, a tornar ainda mais complexa a vida dos agentes econômicos em nosso país, e que em nada irá diminuir os estímulos à evasão e à sonegação que a complexidade e a alta carga tributária inevitavelmente produzem em nossa economia. Na questão tributária,o país precisa mudar paradigmas em vez de aprofundar seus defeitos, como nossa burocracia pública vem insistindo em fazer.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.
#ARTIGOS #Folha #marcoscintra #2008