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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Os perigos da sabedoria convencional

Há anos defendo uma nova espécie tributária como base de um imposto único: a movimentação financeira realizada por meio dos bancos. A tese enfrenta feroz oposição de economistas conservadores que resistem a inovações que possam implicar a rejeição das principais bases tributárias convencionais. A polêmica em torno do Imposto Único é um claro exemplo da resiliência da sabedoria convencional. Em 4 de julho, a Folha publicou o artigo “Proposta funesta” de Paulo Rabello de Castro, que errou ao afirmar que o projeto do Imposto Único sobre movimentação financeira, de minha autoria, prevê que esse seria o único tributo a ser pago pelos contribuintes. A proposta na verdade, pretende substituir impostos e contribuições que equivalem a cerca de 80% da atual carga tributária doméstica. Seriam extintos o Imposto de Renda sobre as pessoas físicas e jurídicas, o IPI, o IOF, a Cofins, o INSS patronal, o ICMS , o ISS e alguns outros tributos de menor importância. Permaneceriam as taxas federais, estaduais e municipais, as incidências sobre comércio exterior, as contribuições previdenciárias individuais e os tributos que representam poupança do trabalhador, como o FGTS e o PIS. Em outras palavras os tributos com características predominantemente extrafiscais não seriam eliminados no mundo do Imposto Único, contrariamente ao que Rabello de Castro dá a entender. A unificação de vários tributos sobre uma base ampla, como movimentação financeira, permite uma alíquota muito baixa quando comparada com os tributos vigentes. Estes, se cobrados sobre bases restritas, exigem alíquotas elevadas para uma dada meta de arrecadação. A base para estimar a alíquota para um Imposto Único que substitua cerca de 80% da carga tributária pôde ser obtida a partir da experiência da CPMF. Em 2007, último ano de vigência dessa contribuição, a alíquota de 0,38% gerou uma receita de R$ 36,3 bilhões, ou 1,36% do PIB e 5,74% da arrecadação federal. Sua base de cobrança foi da ordem de R$ 9,6 trilhões, equivalente a 3,6 vezes o PIB daquele ano. Se uma simples regra de três fosse aplicada para calcular a atual base do Imposto Único seria necessária uma alíquota de 3,67% no débito e no crédito de cada lançamento nas contas correntes bancárias. Ocorre que a proposta do Imposto Único prevê medidas como o fim de todas as imunidades tributárias e a tributação em dobro de saques e depósitos em dinheiro nos bancos, o que implicaria em uma base de incidência de cerca de R$ 12,5 trilhões, exigindo uma alíquota menor, de 2,81% em cada lado das transações bancárias. Porém está parada há 13 anos Congresso a PEC 474/01, que prevê um Imposto Único para substituir os tributos da União. Sua alíquota é estimada em 2,07% no débito e no crédito de cada transação nas contas-correntes bancárias, em substituição aos tributos federais atuais. A alíquota do Imposto Único é baixa em comparação com alíquotas como os 18% do ICMS, os 27,5% do IRPF ou os 9,25% do PIS/Cofins. Estas, sim, são alíquotas indutoras da sonegação e da evasão, não as baixas alíquotas dos tributos sobre movimentação financeira. Em relação à crítica de que um Imposto Único sobre a movimentação financeira levaria ao uso de dinheiro vivo, cabe esclarecer que uma leitura mais cuidadosa do projeto mostraria que existem salvaguardas para evitar tais eventos. A proposta determina que toda transação a partir de um determinado piso somente terá validade jurídica se ocorrer dentro do sistema bancário nacional. Outro ponto que limita a monetização é a tributação em dobro nos saques e depósitos em dinheiro. Utilizar dinheiro em espécie (ou qualquer outra forma de liquidação fora do sistema bancário nacional) ficaria restrito a transações de valor reduzido, seria ilegal a partir de uma determinada quantia, e ainda implicaria em elevados custos de transação e em riscos, como roubos e perdas. Quando se discutia o IPMF, depois rebatizado como CPMF, no início dos anos 1990, seus críticos diziam com grande alarido que o tributo provocaria o fim da intermediação bancária. Isso jamais ocorreu em seus 12 anos de vigência.

 

MARCOS CINTRA é doutor em economia pela Universidade de Harvard e professor titular de economia na FGV – Fundação Getulio Vargas. Foi deputado federal (1999-2003, eleito pelo PL) e é autor do projeto do Imposto Único.

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