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  • Marcos Cintra - Revista Conjuntura Econômica

Ajuste fiscal e disputa orçamentária

Marcos Cintra é doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor titular da Fundação Getulio Vargas. É presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).


No artigo "Ajuste Recessivo", publicado na revista Conjuntura Econômica de março de 2015, afirmei que a literatura econômica comprova fartamente que ajustes fiscais duros e de boa qualidade são aqueles que cortam gastos sem aumentar impostos. Se bem executada, esta política possui nítidas vantagens: corta gorduras e ineficiências, combate os "rent seekers" (agentes que tentam obter renda manipulando o ambiente político), reduz a corrupção, diminui a demanda do setor público por poupança privada e preserva a capacidade de investimento das empresas.


Já os ajustes que aumentam tributos, ainda que mais fáceis operacionalmente, não possuem as mesmas qualidades, além de serem recessivos ao asfixiarem o setor privado e o consumo das famílias.


Nesse sentido, o governo acertou ao colocar a ênfase inicial de seu esforço fiscal nos cortes de gastos e na aprovação da Lei do Teto. Contudo, a gestão de gastos vem se mostrando incapaz de cortar despesas para atingir as metas de déficit primário programadas. Além disso, vem impondo restrições orçamentárias de forma indiscriminada, sem critérios claros e racionais.


Em parte, a estratégia do governo enfrenta dificuldades por repetir o erro cometido em 2015 pelo ex-ministro Joaquim Levy, de Dilma Rousseff, que, ao invés de fazer o ajuste fiscal de forma concentrada em medidas estruturais fortes e definitivas enquanto tinha credibilidade política para tanto (afinal, o mal se faz de uma vez só), optou por uma estratégia fragmentada com cortes de gastos pulverizados e sem avaliação objetiva de impactos e resultados destas ações. Vale lembrar, como demonstrou Rubens Penha Cysne no artigo "O Custo de Atrasar o Ajuste Fiscal" publicado em 30 de agosto de 2017 no Valor Econômico, que à medida que a dívida pública cresce em relação ao PIB por força do ajuste incompleto "maior é o saldo primário necessário para reverter sua trajetória... e desse modo, postergar a correção de rumo torna o custo econômico do ajuste ainda maior."


São notórias as dificuldades de cortar gastos públicos em sociedades como a brasileira, onde imperam o clientelismo e o corporativismo. A fragmentação das restrições orçamentárias em inúmeras pequenas ações amplia os focos de resistência e estimula a formação de frentes amplas contrárias aos cortes de gastos. O resultado é previsível: o governo foi forçado a ampliar a meta de déficit primário e, ao mesmo tempo, aumentar a carga tributária, uma tóxica combinação de políticas econômicas se se pretende recuperar a atividade econômica do país.


A revisão da meta é péssima sinalização para o mercado, ainda que não afete o ajuste fiscal imposto pela Lei do Teto. A elevação de impostos debilita a raquítica retomada da atividade econômica que, por sua vez, acha-se ancorada quase que exclusivamente na queda da inflação e na utilização de capacidade ociosa. Apesar da redução dos juros nominais, novos investimentos ainda recuam, e os consumidores hesitam em aumentar seu consumo.


Difícil equação.


A questão que surge, portanto, é como promover ajustes fiscais sem aumentos de tributos e, ao mesmo tempo, cortar despesas minimizando seus impactos negativos na retomada da atividade econômica?


A necessária determinação de cortar gastos vem sendo executada pelo governo de forma canhestra ao impor cortes indiscriminados aproximadamente lineares na lista de rubricas orçamentárias. Não cumpre, assim, o compromisso de implementar o orçamento base zero, proposta que constava no plano de governo do PMDB, a Ponte para o Futuro, que visava introduzir mais racionalidade no processo orçamentário.


O orçamento público brasileiro é incremental. As propostas de alocação de recursos para exercícios futuros tomam como baselines os projetos e programas em execução no exercício em curso. Essa prática adota como premissa que os gastos e ações em execução são justificáveis pelo simples fato de já existirem, cabendo aos que elaboram, aprovam e executam os orçamentos públicos interferirem apenas em decisões marginais de acréscimos ou de reduções incrementais dos mesmos.


Planos, programas, ações e atividades uma vez incluídos no orçamento público dificilmente são avaliados periodicamente para justificar sua continuidade, ou eventual eliminação. Dessa forma, os orçamentos tornam-se rígidos e, com o passar do tempo, carregados de vinculações legais e, portanto, inflexíveis para baixo. Muitos tornam-se obrigatórios, e, portanto, inflexíveis para baixo.


Do total dos gastos públicos federais que atingiram 19,5% do PIB em 2015, 15,6% eram obrigatórios e, portanto, intocáveis. O restante de apenas 3,9% do PIB eram gastos discricionários, sobre os quais recai todo o esforço de contenção fiscal.


Executar um sistema orçamentário com tamanha rigidez torna-se, portanto, um exercício de futilidade.


O orçamento base zero inverte a lógica atual e tem a grande qualidade de partir periodicamente de uma página em branco, e assim requerer permanente acompanhamento e avaliação de resultados das atividades públicas. Cada projeto, novo ou preexistente, deve passar por uma rígida avaliação custo-benefício antes de ser mantido, redimensionado ou, o que é raro no Brasil, eliminado da peça orçamentária anual para abrir espaço aos programas com retorno social mais alto.


Com o orçamento base zero, a área de ciência, tecnologia e inovação, por exemplo, que a literatura econômica mostra ter retorno social mais alto que todas as demais ações que compõem o orçamento, jamais teria redução em sua dotação como vem ocorrendo hoje. Pelo contrário, ela não só manteria seus recursos, pois em geral são investimentos de prazos longos de maturação, e que demoram em média sete anos para gerarem resultados, como ainda poderia receber aportes adicionais originários de unidades orçamentárias que pouco agregam à sociedade e seriam descontinuados. É o que países como a China têm feito para superar os efeitos da crise econômica mundial, ampliando o orçamento dessas áreas ao invés de reduzi-lo.


Enquanto o setor público brasileiro não adotar processos orçamentários de "base zero" (que periodicamente revisam e avaliam a eficiência dos gastos realizados), dificilmente os ajustes fiscais poderão ser executados com a eficácia necessária. Sem isto, o necessário ajuste fiscal pode vir acompanhado de graves efeitos secundários, como o risco de sucateamento irrecuperável de investimentos feitos no passado, como está ocorrendo com a pesquisa e desenvolvimento nos setores da ciência e da tecnologia no país.



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