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Marcos Cintra

A imperfeição do Simples

O novo Simples entrará em vigor em julho deste ano e vai unificar oito tributos em apenas uma guia de recolhimento. Os segmentos com receita bruta anual até R$ 2,4 milhões poderão se beneficiar de um sistema cuja filosofia deriva da ideia do imposto único, lançada no início dos anos 90.


A aprovação do Simples em 1996 foi um marco em termos de racionalização para as micro e pequenas empresas e para o fisco. Estima-se que a unificação dos seis tributos federais (IRPJ, PIS, Cofins, CSLL, IPI e INSS) em uma única guia de recolhimento, além de facilitar a rotina empresarial, fez com que anualmente a Receita Federal e a Previdência fossem poupadas de manusear cerca de 75 milhões de guias. Além do enxugamento do papelório, o sistema simplificado facilitou o controle e a fiscalização de tributos, permitiu a redução da evasão e, só nos dois primeiros anos de funcionamento, formalizou cerca de 1 milhão de postos de trabalho.


Para as empresas, as vantagens do Simples foram notáveis. Ao incidir sobre um fato gerador único, simples e objetivo (o faturamento), significou menos papelório e custos mais baixos. Mas a maior vantagem do Simples para as micro e pequenas empresas foi a possibilidade de emergirem das sombras, saírem da informalidade, assumirem dignidade empresarial. Os micro e pequenos empresários puderam se dedicar aos seus negócios, em vez de perderem tempo, dinheiro e noites de sono fugindo do fisco ou enfrentando a corrupção que geralmente os acompanhava quando atuavam no submundo da ilegalidade.


Porém, o Simples carrega uma imperfeição. O sistema continua vulnerável à sonegação, pois utiliza um fato gerador declaratório, o faturamento. Com as alíquotas mais altas definidas no Supersimples (o teto de 10% em 1996 passou para 17,42%), aumenta o prêmio para quem deixar de emitir nota fiscal ou subfaturar vendas.


Além disso, a lei que criou o Supersimples tornou o sistema mais complexo. A quantidade de faixas de alíquotas dobrou de 10 para 20; há cinco tabelas de alíquotas, várias opções de enquadramento que dependem de relações entre folha de salários e receita bruta, deduções, compensações e acréscimos vinculados a regimes tributários diferenciados; continuam excluídos do sistema vários tributos importantes; a receita de exportação deverá ser computada separadamente; haverá necessidade de cálculos separados de tipos de receitas; as empresas ficarão sujeitas a três esferas de fiscalização... Enfim, são vários pontos de simples e generalizada confusão.


A saída para aperfeiçoar o sistema passa pela troca de sua base de incidência do faturamento para as movimentações financeiras. Isso permitiria praticar alíquotas significativamente mais baixas que as atuais e tornaria o sistema mais simples.


Ao utilizar as movimentações financeiras como fato gerador, a sonegação se tornaria remota, o fisco teria custo operacional nulo e o desembolso tributário para as empresas seria reduzido. Para garantir a arrecadação bastaria que o optante fosse obrigado a movimentar suas operações por meio do sistema bancário, sob pena de perder o direito de optar pelo sistema. Como proteção adicional, deveria haver legislação que fizesse a liquidação das transações mercantis das empresas do Simples somente terem validade jurídica se ocorridas dentro do sistema bancário. Transações em moeda seriam limitadas a valores reduzidos. Seria uma CPMF adicional para as micro e pequenas empresas.


O novo Simples já não é tão simples nem barato por conta do vício burocratizante existente no país. A mudança de sua base de incidência para as movimentações financeiras seria uma alternativa para simplificar o sistema, reduzir o custo tributário para as micro e pequenas empresas e coibir a sonegação.


 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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