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Marcos Cintra

Habitação: sequência de erros

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque


O governo anuncia com estardalhaço a inauguração de uma "nova política habitacional". Infelizmente, a única novidade é a criação da caderneta habitacional. Porém, nas atuais circunstâncias, esta nova modalidade de poupança não sairá do papel. Se as entidades do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo aceitarem este tipo de depósito, tornar-se-ão sérias candidatas à insolvência em futuro próximo. De fato, como já disse Luís Nassif, o esquema é uma explosiva e enganadora corrente da felicidade, pois não há garantia alguma de que as sociedades de crédito imobiliário tenham condições de conceder a complementação de recursos para a aquisição do imóvel, a que o poupador teria direito após três anos de poupança. Esta bomba-relógio será apenas um elemento complicador extra para o governo que, entre outros problemas, terá de achar uma solução para o enorme rombo do SFH, cujo montante poderá atingir US$ 25 bilhões dentro de seis ou sete anos (quando vencer grande parte dos atuais contratos que deixarão como resíduo montante equivalente a quase um quarto da dívida externa brasileira).


No mais, as "novas" formas de financiamento habitacional divulgadas pelo governo apenas repetem, com algumas modificações, os mesmos mecanismos que sempre estiveram presentes no SFH. São apenas alterações de detalhes operacionais que em nada contribuem para aperfeiçoar a política habitacional brasileira. Mais grave ainda, as providências adotadas ignoram por completo as causas verdadeiras da crise do SFH, que não apenas falhou miseravelmente como uma política de habitação de interesse social, como ainda gerou um desequilíbrio financeiro de proporções inimagináveis. O governo, qual avestruz, insiste em nada enxergar. Repetem-se exatamente os mesmos erros cometidos no passado. O modelo continua o mesmo, embora com nova roupagem.


A política habitacional brasileira precisa ser alterada em dois pontos fundamentais, que dão origem às atuais mazelas do SFH. Em primeiro lugar, todos os recursos do sistema precisam ser direcionados exclusivamente para o atendimento da população de baixa renda (até no máximo cinco salários mínimos de renda mensal). É nesta camada que estão a totalidade dos favelados, encortiçados, e cerca de 80% do atual déficit habitacional do país. Isto quer dizer que tanto os recursos do FGTS quanto das cadernetas de poupança deveriam ser totalmente utilizados para esses financiamentos; jamais para o atendimento da classe média. Esforços devem ser feitos no sentido de deselitizar a legislação, baratear a construção, incentivar o setor privado a ofertar moradias com recursos próprios, e sobretudo financiar apenas a transação final do imóvel, mediante o uso de "cartas de crédito". Estas providências básicas garantiriam a integridade do SFH como um programa de interesse social, como aliás é prioridade no governo Sarney.


Em segundo lugar, a estrutura do SFH precisa estar assentada sobre bases financeiras tecnicamente corretas. Os financiamentos concedidos devem retornar ao sistema em sua totalidade para garantir a remuneração dos ativos e evitar rombos, como o atual.


Numa economia com taxas elevadas e instáveis de inflação, o financiamento a longo prazo não pode prescindir de mecanismos de correção das prestações que acompanhem a correção dos passivos do sistema, em outras palavras, não há como evitar a indexação plena em todas as operações do SFH. Este princípio não deve ser descartado, mesmo que a inflação brasileira desapareça (!), pois contratos de longo prazo, como os habitacionais, precisam contar permanentemente com esta proteção contra eventuais surtos inflacionários. Se isto for incompatível com o poder aquisitivo da população-alvo dos programas habitacionais, não haveria como evitar a concessão de subsídios, desde que planejados, orçados, e canalizados para objetivos socialmente desejáveis.


A política habitacional brasileira precisa ser totalmente repensada. Tanto a nível federal quanto no tocante à legislação estadual e municipal, as normas de financiamento, construção e uso do solo precisam ser revistas de forma pragmática, levando-se em consideração, sobretudo, as condições de miséria em que vivem as camadas de baixa renda. Há muito para ser feito, desde que haja criatividade, vontade política e ausência de preconceitos.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, chefe do departamento de Economia da FGV/SP, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), e Consultor Econômico desta Folha.

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