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  • Marcos Cintra

Momento oportuno para promover reformas

No Brasil, houve uma retração muito acentuada da atividade produtiva devido ao clima negativo criado na economia nacional, e isso contribuiu para a perda de quase 800 mil postos de trabalho formal entre novembro do ano passado e janeiro deste ano. A partir de fevereiro, o emprego formal começou a se recuperar e deve seguir uma trajetória positiva em 2009, ainda que num ritmo que não deverá compensar o número de vagas formais eliminadas entre novembro e janeiro.


Os efeitos da crise sobre os países ricos serão muito mais drásticos comparativamente ao que acontecerá no Brasil. Felizmente, os fundamentos da economia brasileira estão numa situação que permitirá sua recuperação num período relativamente curto: as contas externas estão em ordem, as reservas internacionais são adequadas e a inflação está sob controle.


No âmbito das finanças públicas, a arrecadação vem caindo e isso, combinado com as maiores despesas de natureza anticíclica, vai reduzir o superávit primário. Mesmo com a redução dos gastos com juros, decorrentes da queda da taxa Selic, o comportamento da dívida pública requer atenção especial, porque sua elevação em relação ao PIB pode gerar inquietação no mercado. A redução da relação entre a dívida pública e o PIB foi um dos pontos positivos da gestão financeira e seu controle precisa ser preservado.


A expectativa é de que o PIB em 2009 tenha um desempenho em torno de 0%. Quanto ao dólar, projeta-se que a moeda se estabilize numa média ao longo do ano na casa de R$ 2,30, e a Selic deve fechar o ano em 9%. A inflação ao consumidor pode ficar entre 4% e 4,5%, e o desemprego numa taxa média na casa de 9%.


Em 2009, o crescimento da economia deve ser muito menor em relação ao que vinha ocorrendo nos últimos anos por causa da retração no comércio externo, do aumento do contingente de desempregados, das dificuldades dos tomadores de empréstimos em obter algumas linhas de crédito e do custo financeiro mais alto. A retração no consumo em segmentos de bens duráveis e a precaução do empresariado na implementação de investimentos devem inibir a expansão do PIB, ainda que o governo esteja tomando medidas para compensar esse quadro.


O governo vem atuando de modo compensatório, investindo em áreas com potencial de geração de empregos, desonerando alguns setores e aumentando o crédito pelos bancos públicos. Essas medidas vão amenizar os efeitos da retração do setor privado e, em 2009, a economia deve crescer um pouco acima de 0%, o que já seria um bom resultado em comparação com o quadro de recessão nos países ricos.


A indústria automobilística já vem registrando um nível de produção próximo aos níveis anteriores aos da crise financeira mundial. Isso se deu por conta da desoneração do IPI, e a alavancagem nas vendas por conta da medida terá impacto sobre outros setores atrelados ao setor. As montadoras de veículos e o setor da construção civil têm os maiores multiplicadores da economia e, por isso, elas movimentarão outros segmentos como os de autopeças, siderurgia, borracha, seguros e outros pré e pós-produção. Num país onde a carga de impostos sobre as vendas é elevada, uma redução como a do IPI para veículos tem efeito bastante significativo nos preços. Além desses segmentos, o de eletrodomésticos, por conta da desoneração recente do IPI, e o de alimentos também podem reagir positivamente e devem minimizar os efeitos da crise.


A isenção do IPI foi uma medida correta para minimizar os efeitos da crise e que poderia ajudar outros setores, mas é importante citar que o espaço para desonerações, que já é muito reduzido na atual configuração fiscal do país, fica numa situação ainda mais delicada num cenário de crise aguda como a atual. Quanto à arrecadação, ela vem caindo desde o final do ano passado, e o IPI sobre veículos foi uma das receitas que tiveram maior retração, chegando a 91% em termos reais no primeiro trimestre deste ano comparativamente ao mesmo período de 2008.


O governo vem investindo fortemente através do PAC e, no balanço de 2 anos do programa, consta que houve um aumento dos investimentos de R$ 504 bilhões para R$ 646 bilhões. Em logística, a dotação aumentou em R$ 38 bilhões, e em energia R$ 21 bilhões. No geral, as entidades avaliam que o desempenho do PAC é bom, mas poderia ser melhor se fossem minimizados os entraves judiciais e ambientais. As obras poderiam andar num ritmo melhor.


Infelizmente, a velocidade dos investimentos pode não ser o ideal, mas o governo tenta compensar a retração da atividade econômica aumentando os gastos com investimentos. O importante é que o setor privado volte a investir e, para isso, é preciso restabelecer a confiança no mercado.


No Brasil, os juros são um dos fatores que realmente inibem a produção e o consumo, e são vários os fatores que tornam suas taxas uma das mais elevadas do mundo. As críticas se concentram muito na taxa primária - a taxa Selic -, mas ela é alta por questões de ordem macroeconômica. Mesmo que ela fosse zero, haveria outros componentes que forçariam os juros para cima no Brasil. Eles estão relacionados com os impostos sobre o crédito, o risco de inadimplência e o elevado depósito compulsório. Mas o que, tempos atrás, poucas pessoas consideravam um fator determinante para o alto custo do crédito, hoje virou consenso.


O spread bancário precisa ser reduzido para que os juros caiam. O spread, ou seja, a diferença entre o custo de captação dos bancos e o que eles cobram de seus clientes, é da ordem de 29 pontos percentuais no Brasil, chegando a 40 pp para as pessoas físicas, enquanto em países como Argentina, Chile, China e Coreia ele é de 5 pp. Esta situação ocorre porque o setor bancário é oligopolizado no Brasil, ou seja, não há concorrência entre eles no que tange aos juros aplicados nos empréstimos. Enfrentar o cartel bancário é uma das condições fundamentais para reduzir os spreads e, consequentemente, os juros no Brasil.


O governo vem atuando de modo correto na implementação de medidas que atenuem os efeitos da crise global. A redução do compulsório, as desonerações tributárias, a criação de programas habitacionais e a ampliação do crédito nos bancos públicos foram ações importantes para amenizar a retração econômica. O desafio é fazer com que a confiança seja restabelecida e os agentes voltem a consumir e a investir. A credibilidade é uma condição para o crescimento sustentado e ela deve ser recuperada aos poucos.


Em 2010, o quadro econômico pode começar a se recuperar com a retomada da confiança pelos empresários, a redução dos juros e a elevação do volume de crédito pelos bancos privados. Além disso, seria oportuno que, no próximo ano, também houvesse uma redução gradual da carga tributária sobre o setor produtivo e a classe média, de tal forma que houvesse maior renda disponível, que pudesse estimular o crescimento através de mais consumo e investimentos, sem perda de receita para o governo. Seria uma boa hora para o país deflagrar uma reforma tributária com o objetivo de fortalecer o mercado interno e deixar a economia nacional em boa situação no momento em que a crise começar a se dissipar.


O setor siderúrgico de um modo geral também sentiu a forte retração no comércio mundial. A produção de aço bruto, por exemplo, que vinha se mantendo em torno de quase 3 milhões de toneladas por mês até setembro do ano passado, registrou uma queda para 1,6 milhão de tonelada em dezembro de 2008. No mesmo período, a de ferro gusa caiu de 3 milhões de toneladas para 1,8 milhão de toneladas e a de laminados de aço retrocedeu de 2,2 milhões de toneladas para 930 mil toneladas.


As medidas de estímulos aos setores da construção civil e automobilístico devem proporcionar uma retomada na atividade siderúrgica, uma vez que são setores que absorvem aço em grande escala, ainda que dificilmente a produção recupere os níveis anteriores à crise por causa da retração no comércio mundial.


 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. Atualmente é secretário municipal do Trabalho da cidade de São Paulo.

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