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Marcos Cintra

Não passa. Será?

Em 2002, o publisher da Folha de S.Paulo, Otávio Frias de Oliveira, incluiu em uma das pesquisas presidenciais do DataFolha a seguinte pergunta: Você é a favor do imposto único? Na ocasião, 63% foram favoráveis à proposta de eliminação de vários tributos e sua substituição por um tributo sobre movimentação financeira, a CPMF que existia então. A CPMF acabou sendo extinta em 2007, frustrando o enorme esforço para sua prorrogação feito pelo então presidente Lula. O curioso é que, em 2004, a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) realizou uma segunda pesquisa abordando a mesma questão do imposto único, e 64,2% dos entrevistados apoiaram o projeto. Em 2019, foi a vez da empresa Pesquisa e Comunicação (Cepac) apurar que 78% das pessoas ouvidas eram favoráveis à ideia de um tributo sobre a movimentação financeira para substituir vários outros.


No mesmo ano, o Ibope apontou que a proposta tinha o apoio de 59% dos pesquisados. Em 2020, o DataFolha realizou uma nova sondagem para o Sindicato das Micro e Pequenas Empresas (Simpi), e 46% dos pesquisados classificaram novamente a mesma proposta como ótima/boa. No mesmo ano, a empresa Dataqualy produziu uma pesquisa qualitativa com grupos de discussão, e o projeto teve boa receptividade e agradou à maioria dos participantes. A conclusão inevitável é que a satanizada tributação sobre movimentação financeira tem forte apoio popular desde que seja utilizada da forma como originalmente proposta, ou seja, como um imposto único, não como foi na famigerada CPMF, como um imposto a mais.


Acredito que a rejeição a essa forma de tributação, chamada de imposto eletrônico, CPMF, e-tax, imposto digital ou o que seja, não reflete a realidade e, por isso, lanço esse desafio para confirmar ou rejeitar essa suposição. É preciso analisá-la sem o preconceito que as campanhas pela rejeição da CPMF criaram no passado, pois tudo indica ter sido um bom tributo mal utilizado.


Em realidade, a CPMF foi iniciada em 1992 por Fernando Henrique Cardoso, tendo vigorado por 12 anos, e garantiu o lastro fiscal para o sucesso do Plano Real. Perdurou até 2007 e, no segundo governo Lula, após sucessivas prorrogações, soçobrou frente à campanha do "não vou pagar o pato" patrocinada pela Fiesp.


Agora, o Brasil precisa novamente da tributação sobre a movimentação financeira. Não como um imposto a mais para sobrecarregar o contribuinte, mas com o objetivo de substituir vários tributos disfuncionais e destravar o andamento da reforma tributária.


Um ponto ignorado por quase todas as propostas de reforma tributária é a urgente necessidade de introduzir uma forma mais sólida e estável de financiamento da seguridade, que se encontra em estado de iminente insolvência. A movimentação financeira serviria para substituir as atuais fontes de recursos da seguridade. Ademais, resultaria na mitigação da elevada tributação sobre postos de trabalho no Brasil beneficiando empregados e empregadores, sem falar na enorme simplificação gerada pela eliminação dos complexos tributos vinculados à seguridade, como as contribuições patronais e laborais ao INSS, a Cofins e a CSLL.


E, de contrapeso, destravaria o andamento do projeto de implantação do IBS ao compensar parcialmente o deslocamento da carga tributária em desfavor da agricultura, da construção civil, do comércio e principalmente dos setores mais intensivos em mão de obra como o de serviços, incluindo saúde, educação, transporte de cargas e de passageiros. E mais: atenderia o desejo externado pelo ministro Fernando Haddad de corrigir a subtributação da economia subterrânea e eliminar esse foco de concentração de renda, concorrência desleal e injustiça tributária.


A CPMF insistentemente entra e sai do debate econômico. Por essas razões, lanço aqui esse repto para encerrar de vez essa polêmica ou, alternativamente, integrá-la sem preconceitos ao debate técnico da reforma do financiamento da seguridade social brasileira, como, aliás, proposta em 1992 pela Comissão Executiva da Reforma Fiscal (Cerf), integrada por alguns dos mais renomados especialistas brasileiros, que inspirou a criação do IPMF/CPMF.


Sugeri, em vão, que a Folha de S. Paulo repetisse o ato de coragem de 20 anos atrás. Quem sabe o próprio governo possa realizar uma nova pesquisa para auferir se realmente há rejeição por um tributo sobre movimentação financeira que não venha como um imposto a mais, mas como substituto de outros tributos, como as contribuições patronais e laborais que tanto prejudicam a abertura de novos postos de trabalho no país.


MARCOS CINTRA, professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV), foi secretário especial da Receita Federal (mcintra@marcoscintra.org)



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