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  • Marcos Cintra

O bode dentro de casa

Marcos Cintra de Albuquerque


O número de erros na execução do Plano Cruzado surpreende até mesmo os seus mais convictos críticos, que, aliás, foram muito poucos inicialmente. A maioria dos economistas, por precaução ou por receio de serem taxados de impatrióticos - acusações que alguns foram obrigados a ouvir repentinamente - preferiram aguardar a evolução dos fatos para, então, sem maiores inconvenientes, poderem descarregar suas baterias de críticas.


É claro que a análise das diretrizes gerais do plano não garante sua correta ou incorreta execução. Contudo, já seria suficiente para se prever que não funcionaria como uma estratégia antiinflacionária.


Muito mais por erros de implementação do que por design, o Plano Cruzado acabou por gerar na estrutura da economia alguns efeitos benéficos, embora passageiros. O que mais chama atenção foi a inegável redistribuição de renda que causou. Por outro lado, esses mesmos efeitos, embora louváveis, foram responsáveis pelo fracasso do plano enquanto estratégia antiinflacionária, sua finalidade precípua.


É verdade, como enfatizou o ministro Dilson Funaro em seu artigo publicado no domingo pela Folha, que houve avanço no poder aquisitivo da população, que o setor produtivo encontrou maior eficiência e que o Estado está mais enxuto. Estas metas, contudo, foram obtidas às custas de uma total desestruturação do setor externo da economia brasileira e de uma alarmante queda na propensão a investir do empresariado. Além disso, não há por que os pontos positivos não pudessem ter sido concretizados concomitantemente com uma ação antiinflacionária eficaz.


O fato é que o governo acha-se aparentemente inseguro em todas as suas realizações; paulatinamente volta atrás em quase tudo. Cancelou o uso do IPC restrito como indexador dos salários, reindexou os ativos e passivos financeiros pela inflação medida, retrocedeu nas regras de tributação do mercado financeiro, permitiu a volta da mensalidade às cadernetas de poupança; enfim, volta quase tudo como era antes. Provavelmente voltaria ao cruzeiro se fosse possível.


Outra interpretação para essa imensa marcha a ré reside numa possível preparação para um novo choque. Ao permitir que o sistema de preços encontre seu equilíbrio da forma mais rápida possível, mesmo com elevadas taxas de inflação corretiva, criam-se condições para uma nova tentativa, quando certamente os mesmos erros não serão repetidos. Quero acreditar nessa interpretação mais benevolente dos fatos.


Permanece a questão de saber, entretanto, se o governo ainda dispõe de credibilidade suficiente para embarcar numa nova rodada de congelamentos. Sem dúvida, a imagem que o Cruzado deixou indica uma resposta negativa. Mas não se pode ignorar a mística do congelamento, que, embora arranhada, ainda atrairia o apoio da população. Além disso, as perspectivas para a economia são tão sombrias que qualquer alternativa é melhor do que permitir o livre desenrolar dos fatos.


É como a história do inquilino que reclamava das condições de habitabilidade de seu apartamento. O senhorio providenciou a colocação de um bode mal-cheiroso dentro do imóvel e o retirou em seguida aos indignados apelos do locatário. Assim, o apartamento passou a maravilhoso aos olhos do residente.

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