ROBERTO MANGABEIRA UNGER
21 de abril de 1998
"Gosto de pagar impostos", disse o ídolo americano Oliver Wendell Holmes Junior, "porque com eles compro civilização". Grande problema do Brasil é que não podemos sentir a mesma coisa. Em vez de pagarmos por civilização, pagamos pelos juros da dívida pública interna, pela salvação de banqueiros e empresários falidos e pelos salários e aposentadorias de funcionários que administram aparato público bloqueado. E pagamos, os que recebemos salários, por todos os outros.
Como financiar Estado que assegure às pessoas os meios para se tornarem trabalhadores e cidadãos livres e capazes? Mistério para os pensadores. Só há dois trabalhos geniais sobre impostos: o livro de Kaldor sobre o imposto de consumo e o livro de Allais sobre o imposto de capital. Mistério para o povo. Não há democracia sem que a cidadania aprenda a debater a temática sutil e complexa das finanças públicas. A população não conhece essa temática e os especialistas não na compreendem.
Três idéias marcam o ponto de partida. A primeira idéia é que impostos progressivos e investimentos sociais são instrumentos meramente acessórios, ainda que indispensáveis, de diminuição das desigualdades. A experiência histórica, inclusive das social-democracias européias, comprova que as desigualdades diminuem sobretudo por reformas estruturais, como a democratização do ensino e do crédito, a reforma agrária, a destruição dos oligopólios, a suspensão dos subsídios ocultos às grandes empresas e a primazia da meritocracia sobre o nepotismo no acesso às carreiras e aos empregos.
O papel básico da tributação progressiva e do gasto social não é atingir igualdade. É capacitar as pessoas, garantindo-lhes os instrumentos de que precisam para se tornarem agentes econômicos e políticos eficazes.
A segunda idéia é que, na medida em que sejam igualizadores a tributação e o investimento social, a redistribuição igualizadora se faz mais pelo lado do gasto do que pelo lado da estrutura progressiva da arrecadação. A curto prazo o que conta é quanto o Estado tem para gastar, como o gasta e como consegue minimizar o efeito prejudicial da tributação sobre os incentivos para trabalhar e investir.
Tributo reconhecidamente "injusto" como o imposto sobre o valor agregado (IVA) é útil porque arrecada muita receita com pouca distorção das decisões econômicas. O que importa é alcançar resultados progressivos (como alguns dos sistemas tributários europeus), não prestar homenagem a princípios progressistas (como o sistema fiscal americano).
A terceira idéia é que, assegurada a receita necessária para financiar o gasto social e desenvolvimentista do Estado, a tributação direta e igualizadora pode ter importância crescente. Em vez de recair sobre os salários, como faz o imposto de renda, deve incidir sobre três grandes alvos. O primeiro é o consumo pessoal ou o padrão de vida, medidos pela diferença entre a renda e a poupança investida de cada contribuinte. O segundo é o poder econômico, sobretudo quando constituído pela transferência hereditária da riqueza. O terceiro é a apropriação privada, em favor das instituições financeiras, dos lucros produzidos pela expansão dos meios de pagamento e pelas necessidades financeiras do Estado.