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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Vai piorar antes de melhorar

O prazo que o ministro Mailson da Nóbrega achava que teria para fazer os ajustes na economia brasileira está se mostrando mais curto do que poderia prever. Não se pôde contar com uma evolução favorável de alguns importantes indicadores, como a inflação, o nível de atividade e as contas públicas. Ao que parece, os primeiros projetos de seu ministério já começam a ser sabotados pela Presidência da República.


O próprio ministro expressa seu descontentamento ao afirmar que "quebraram o país", "assim não dá" e ao descrever como "espantosa" a hesitação do governo na concretização de medidas de estabilização da economia. O resultado é que já se começa novamente a falar em novos programas heterodoxos, como congelamento de preços, de salários e até mesmo de ativos financeiros. Parece que se acendeu o fogo para iniciar um novo processo de reestruturação ministerial.


Certamente, as soluções não são fáceis; muitas delas nem sequer são conhecidas com a profundidade desejada. No entanto, há uma grande concordância em dois pontos fundamentais. Primeiro, a imperiosa necessidade de combater o déficit público; segundo, a necessidade de criar alguma alternativa para a política salarial, pois a atual exacerba a inflação e não protege o salário real do trabalhador.


Nesses dois pontos, no entanto, as atitudes da administração têm sido decepcionantes. A prioridade tantas vezes verbalizada de que o déficit público será controlado não encontra eco nas ações concretas do governo. As providências tomadas, principalmente o decreto nº 95.682 de janeiro último, são medidas inadequadas. De forma ingênua e desinformada, exigem cortes lineares de despesas, obstruem qualquer tentativa de impor racionalidade à administração pública e apenas resultarão em distorções que fatalmente produzirão desequilíbrios orçamentários ainda maiores no futuro. Sem falar na degradação dos serviços prestados.


A solução definitiva envolve o redimensionamento do papel do governo na estrutura produtiva e, consequentemente, a abertura de novas áreas de investimento para o setor privado. Isso a administração Sarney não faz, preferindo deixar à míngua as empresas estatais e inviabilizar o necessário reaparelhamento dos setores sociais da atuação pública.


Quanto à questão salarial, muito se fala, mas pouco é feito. A saída deve ser a da livre negociação. Ao mesmo tempo em que a URP significa um insuportável ônus para determinados setores mais competitivos, onde proliferarão focos de desemprego, também implica, para outros, apenas um imediato repasse para os preços, geralmente aos níveis da inflação que são superiores aos reajustes salariais.


O presidente da República, mais uma vez, pede tempo ao ministro da Fazenda para fazer o que precisa ser feito. Neste ritmo, a situação econômica deve piorar antes de melhorar. Resta saber o que pode acontecer neste ínterim.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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