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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O lento despertar do presidente

Finalmente, o governo decretou medidas para amenizar a questão da folha de pagamentos do funcionalismo federal. Elas vieram juntamente com outras providências, de características mais cosméticas, tais como os incentivos para demissões voluntárias - que certamente não serão eficazes - e limitações nos rendimentos adicionais de certas categorias que terão igualmente um impacto reduzido, senão nulo.


É sabido que o corte nos rendimentos dos funcionários públicos e das estatais tem uma característica emergencial, a partir da constatação de que sérios problemas de caixa poderiam surgir em breve nas contas do Tesouro. Por outro lado, se as previsões do governo estiverem corretas, o déficit público poderá ser reduzido em cerca de 1,5% do PIB com estas medidas. Não se pode dizer que se trata de um pacote fraco, embora certamente ainda haja muito por fazer para um efetivo combate ao déficit público, projetado na ausência de medidas corretivas em cerca de 8% do PIB para 1988.


O país se acostumou a ser administrado por meio de grandes pacotes, anunciados com pompa e circunstância. Destarte, quando medidas de ajuste são trazidas a público quase que individualmente, fica a sensação de que pouco vem sendo feito.


É fato que providências capazes de produzir um impacto mais forte na redução do déficit público ainda não foram anunciadas. Isso inclui a eliminação de subsídios. Também não foram definidas as linhas do programa de desestatização, da reforma bancária, da reforma administrativa do setor público e outras, sem as quais não se conseguirá a desejada modernização da economia.


Em compensação, em cerca de 90 dias de gestão, a atual equipe econômica consolidou o ajuste externo, iniciado pelo ex-ministro Bresser Pereira. Está em vias de restaurar o relacionamento do país com a comunidade financeira internacional. Iniciou o polêmico processo de conversão de dívida em investimento. Congelou o crédito às estatais, aos Estados e aos municípios, de onde se espera uma redução adicional de 1% do PIB no déficit público. Decretou a proibição de novas contratações e a redução de 5% reais nos gastos de custeio das estatais. Elevou os depósitos compulsórios dos bancos para enxugar o excesso de liquidez. Tomou, enfim, uma série de providências que, se anunciadas em conjunto, certamente não seriam taxadas de tímidas ou ineficazes.


Os mais céticos, e quase todos nós seríamos incluídos nesta categoria, perguntariam se este conjunto de medidas é para valer. Afinal, episódios recentes mostram que nos últimos anos pouco tem sido feito, não obstante a profusão de atos administrativos e de declarações em contrário. Não há como saber. Há indícios de que desta vez o governo mostra-se disposto a impor sua política econômica. Mas a única certeza é que esta é a última oportunidade do governo Sarney para iniciar um programa de recuperação da economia brasileira.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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