top of page
  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Depois do acerto externo

O acordo celebrado com os bancos credores internacionais acabou seguindo as linhas da ortodoxia verificadas em outros processos de renegociação. O país retoma o pagamento integral dos juros, e o principal é rolado a longo prazo. Dentro desses parâmetros básicos, foram obtidas algumas condições mais favoráveis, como redução dos "spreads", desembolsos semestrais, alongamento de prazos e maior autonomia com relação aos relatórios de acompanhamento do FMI. Não houve, contudo, alterações estruturais.


Uma renegociação como esta tem implicações distintas hoje daquelas que teria por ocasião da decretação da moratória. Essa diferença é fundamental para uma correta avaliação do acordo.


No final de 1986, quando os saldos comerciais do Brasil haviam sofrido severa deterioração, um compromisso que implicasse a retomada do pagamento dos juros da dívida externa seria inviável. Isso exigiria uma severa recessão interna, como a que ocorreu no período 1981-83. Isso aconteceria porque teria sido necessário expandir o saldo comercial a taxas significativamente mais elevadas do que o crescimento da demanda interna. Somente assim seria possível ajustar novamente o saldo comercial ao serviço da dívida. Dada a urgência dos pagamentos dos juros, o crescimento do PIB teria que ser negativo, com a absorção externa crescendo relativamente à absorção interna do produto.


A moratória permitiu, de fato, que o ajuste fosse feito dentro de condições mais favoráveis. Os custos para o país foram elevados em termos de fluxos futuros de investimentos externos, de perdas de linhas de crédito e de juros de curto prazo mais altos. No entanto, uma recessão foi evitada. O PIB cresceu em 1987, embora a taxas consideradas baixas em relação às médias históricas.


No momento, em meados de 1988, quando o ajuste externo já está concluído, o mesmo acordo não tem as mesmas implicações que teria antes. É evidente que qualquer tentativa de fazer com que a absorção interna cresça mais rapidamente que o crescimento do produto - com o intuito de recuperar as perdas ocorridas durante a fase de ajustamento - apenas resultará em novo estrangulamento externo em futuro próximo. No entanto, torna-se possível agora que a demanda interna cresça, desde que os saldos comerciais sejam mantidos constantes. Como a taxa de crescimento da absorção externa pode agora ser nula, abre-se espaço para a recuperação dos gastos domésticos. Neste sentido, o acordo com os credores não implicará políticas recessivas. Pelo contrário, permitirá até uma recuperação interna, desde que as exportações continuem crescendo, desde que contrabalançadas pela expansão das importações.


Neste sentido, qualquer continuidade da política contracionista do governo deve ser debitada à estratégia antiinflacionária, e não ao ajuste externo, que já está concluído.


É lógico que o Brasil continuará a remeter recursos ao exterior por conta do endividamento externo, e que se isto não ocorresse, a taxa de formação de capital, e consequentemente o crescimento da economia, seriam mais elevados. Como, porém, ela existe, o caminho agora é estabilizar internamente a economia, permitindo a recuperação dos investimentos pelo crescimento da poupança interna e, futuramente, criando condições para que o saldo comercial possa até ser reduzido, a partir de estímulos à entrada de recursos estrangeiros.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

Topo
bottom of page