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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

No mundo da carochinha (3/3)

Nos domingos anteriores, viu-se como o Plano Verão enfrenta sérias dificuldades. Foram notados importantes equívocos na condução da política antiinflacionária, a saber, a excessiva duração do congelamento e sua resultante perda de eficácia, o crescente atraso cambial, a perversa política relativa a aluguéis e a injustificável indefinição quanto às regras salariais. Hoje, serão analisadas as virtudes e desvantagens da política de manutenção de altos juros reais e apontados os prováveis caminhos para manter a economia sob controle até as próximas eleições presidenciais.


Juros imbatíveis


Dada a ausência de um forte ajuste fiscal, o maior sustentáculo do atual plano de estabilização tem sido a elevada taxa de juros. Já foi demonstrado exaustivamente que, como o governo federal é o maior devedor líquido da economia, esta política não poderá ser sustentada por muito mais tempo.


Os agentes econômicos têm plena consciência de que os ganhos elevados no overnight representam: a) uma carga tributária mais elevada no futuro, ou b) uma futura inadimplência do setor público, ou c) uma perda de valor dos papéis do governo, causada por uma crise hiperinflacionária. Nestas condições, a manutenção de taxas de juros elevadas implica uma maior instabilidade financeira, embora no curto prazo a economia possa até tomar ares de aparente tranquilidade.


Qualquer perspectiva de redução das taxas oferecidas pelo governo para os tomadores de seus títulos será acompanhada, "pari passu", de pressões especulativas nos mercados de ativos reais ou de incremento de demanda. Por outro lado, mantê-las em patamares elevados poderá significar a deflagração de uma crise de confiança no Tesouro, o que significa dizer, no Brasil, uma fuga da moeda indexada e a hiperinflação.


Cabe atentar ainda para o fato de que as altas taxas de juros significam uma forte redistribuição de renda a favor dos detentores de capital financeiro. Ao aumentar a renda disponível destes grupos se estaria, portanto, aumentando o volume de recursos potencialmente disponível para sustentar estes fluxos desestabilizadores.


Alegam as autoridades econômicas que a expansão do endividamento público é o preço que o governo terá de pagar para levar a cabo sua política de estabilização. Mas o governo não paga nada. Quem arca com todos os custos é o contribuinte. Ademais, o governo entrou numa armadilha ao elevar os juros e posteriormente se mostrar incapaz de efetuar o ajuste fiscal. No caso de uma forte contenção de gastos públicos, de uma corajosa política de privatização e de redução do tamanho do Estado na economia, teria sido possível fazer com que os juros altos fossem apenas transitórios. Agora não há como fazê-los cair sem riscos de uma súbita corrida contra o cruzado.


A corrente contínua de choques


O surpreendente na evolução desta nova tentativa de estabilização é que o governo formulou seus planos adequadamente e de forma consistente, deixando a aparência de haver incorporado os ensinamentos dos choques anteriores. Mas não consegue colocar sua estratégia em prática.


O sinal de progresso neste plano foi ter praticado uma política de juros altos, sem os quais não haveria como defender um congelamento de preços e salários. Mas não é possível colocar todo o peso do ajuste apenas nas variáveis monetárias. O correto seria iniciar a estabilização como foi feito, mas ao mesmo tempo acompanhá-la de um rígido programa de contenção de gastos públicos. Isto abriria espaço para uma gradual conquista de confiança no cruzado, que por sua vez permitiria o retorno dos juros a seus patamares históricos.


Nesta estratégia, as políticas fiscal e monetária se apoiariam mutuamente. A realidade, contudo, é que são os juros que sustentam toda a estrutura do plano e qualquer vacilação neste ponto poderá ser a senha para uma explosão hiperinflacionária.


O Plano Verão dificilmente será salvo. A alternativa que o governo provavelmente adotará é reindexar a economia e efetuar novos choques, novos congelamentos e novas tentativas de controlar salários. Ao menos assim ainda haveria possibilidade de chegar até as eleições presidenciais de novembro ligeiramente à tona de um desastroso naufrágio. Azar do novo presidente.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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