A aceleração da inflação no Brasil vem ocorrendo nos últimos meses em patamares cada vez mais curtos. No início dos anos 80, as taxas de aumento de preços se mostravam relativamente estáveis durante períodos de até 12 meses, antes de saltarem para novas escaladas. Nos últimos tempos, o período de penosa estabilidade não passa de dois meses. As estimativas da Fipe divulgadas nesta semana apontam para taxas de inflação que poderiam facilmente atingir 65% a 70% em fevereiro, após dois meses durante os quais o IPC permaneceu próximo de 55%.
Esta perspectiva é assustadora. A verdadeira lua-de-mel entre o futuro presidente e os eleitores brasileiros poderá rapidamente se transformar em fortes conflitos, no momento em que a administração tomar as primeiras medidas para tentar controlar a inflação.
Alguns deles já começam a se esboçar. Reivindicações salariais pipocam em toda parte. O temor de que um congelamento de preços possa inviabilizar tentativas de recuperação de perdas causadas pela aceleração inflacionária é uma das causas da recente intranquilidade trabalhista.
Outra é a enorme perda de poder aquisitivo dos salários. A inflação mensal da ordem de 65% torna absolutamente inevitável o surgimento de reivindicações de encurtamento de prazos de pagamentos, bem como a indexação dos vencimentos ao BTNF.
O curioso, contudo, é que apesar da evidente perda de poder aquisitivo dos salários, a economia continua funcionando a pleno vapor, com o nível de atividade atingindo patamares cada vez mais elevados. Os últimos dados de utilização de capacidade da FGV mostram que estão praticamente esgotadas as possibilidades físicas de expansão da produção.
O que esses fatos demonstram é que a inflação elevada distorce por completo o funcionamento da economia. Os compradores não possuem a mais vaga noção de preços relativos. Não há mais discernimento nas transações. Os consumidores pagam qualquer preço pelas mercadorias que desejam. Até que os recursos se esgotem. A resultante sensação de carrinhos de compra vazios exacerba a frustração dos assalariados. Confirma-se, portanto, a afirmação tantas vezes reiterada pelos economistas com um mínimo de consistência técnica, de que reajustes nominais jamais serão capazes de garantir o poder aquisitivo do trabalhador.
Ao mesmo tempo que o assalariado perde, o rentista é favorecido por uma brutal transferência de renda. Os juros reais têm sido elevados, apesar da aceleração inflacionária. Também o setor financeiro acumula ganhos significativos, o mesmo ocorrendo com grande parte das empresas com sobras de caixa aplicadas nos mercados financeiros.
Em suma, a inflação em disparada está distorcendo o funcionamento da economia e efetuando uma perversa redistribuição da Renda Nacional. Os salários perdem, os rentistas e detentores de lucros ganham, a demanda agregada se aquece e a espiral salários-preços ganha ímpeto crescente.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor de economia da Folha.