Na última quinta-feira, o país concluiu mais um patético ritual de preenchimento dos formulários de Imposto de Renda.
Apenas no rol das pessoas físicas, cerca de 5 milhões de declarações foram penosamente escrituradas. Cada dado exigido pelo fisco envolveu um árduo trabalho de pesquisa. Não apenas na busca das informações econômicas, mas sobretudo no decifrar das instruções contidas nos manuais fornecidos pela Receita Federal.
Sem falar nas dificuldades de contabilização de bens, desde imóveis e veículos até itens como quotas de clubes, joias e obras de arte, a serem listados a "preços de mercado" e indexados em Ufirs do último dia de 1991.
Pobre de quem não os transacionou naquele exato dia, pois (avaliar o “preço de mercado” é tarefa que apenas o funcionamento do próprio mercado é capaz de desempenhar adequadamente.
As exigências do ' 'leão" com certeza produzirão zilhões de novos dados a tomarem espaço na memória dos computadores do Serpro. Infelizmente, tão fictícios quanto os centavos que constavam das listagens de bens preexistentes.
As declarações de IR das pessoas físicas são, para a maioria dos contribuintes, apenas um estafante ajuste de contas motivado pelos recolhimentos na fonte.
Se para cada declaração foram gastas dez horas de atividade dos contribuintes, no total consumiram-se cerca de 50 milhões de horas de trabalho. Um montante de mão-de-obra equivalente ao conteúdo de trabalho anual de 30 mil trabalhadores com mediano nível de instrução. O equivalente a cerca de 50 mil homens-ano de trabalho não-especializado.
E como se uma comunidade de cerca de 150 mil pessoas simplesmente desaparecesse do mapa econômico brasileiro durante todo um ano, em troca das pilhas de formulários preenchidos.
Igualmente revoltantes são os comentários acerca da mania brasileira de deixar tudo para a última hora, inclusive a entrega dos formulários do Imposto de Renda.
Como se não tivéssemos mais nada a fazer, ou que não fosse verdade que até o dia anterior ao prazo fatal para a entrega das declarações o Congresso Nacional ainda deliberava sobre possíveis alterações na tabela do IR. Ou ainda, que fossem imaginárias as constantes alterações de regras e de procedimentos para o recolhimento de impostos no Brasil.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).