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  • Marcos Cintra - O Estado de S. Paulo

Desafios da Alca

PROBLEMA MAIS SÉRIO QUE O BRASIL ENFRENTA COM RELAÇÃO AOS EUA É O DOS SUBSÍDIOS AGRÍCOLAS.


São compreensíveis as dúvidas, os receios, assim como as oportunidades, associados a qualquer processo de mudança. A integração de países na construção de uma área de livre comércio abrange uma série de indagações e argumentos envolvendo os mais diversos aspectos de ordem econômica e social. A concretização da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) dará origem a um dos maiores blocos econômicos do planeta. Os 34 países do continente americano somam uma população de quase 800 milhões de habitantes e um PIB de US$ 11,5 trilhões. Um tema fundamental envolvendo a Alca, e que desperta a atenção geral, refere-se à questão da competitividade da economia brasileira diante da norte-americana. Argumenta-se, de modo equivocado,


A indústria norte-americana concentra-se hoje nos segmentos de alta tecnologia, como informática, telecomunicações, química fina, fibras óticas, aeronáutica de grande porte e outros setores de alta relação capital/trabalho. Estas indústrias não concorrem com a indústria nacional. Isso explica, inclusive, a baixa relação emprego industrial/população economicamente ativa, que nos EUA passou de 28% na década de 50 para os atuais menos de 13%. Ou seja, a população economicamente ativa dedicada a atividades industriais nos EUA é de apenas 13% e concentra-se em áreas de alta tecnologia. Portanto, o temor de alguns críticos à adesão do Brasil à Alca, em função da competitividade industrial norte-americana, não se sustenta.


O problema mais sério que o Brasil enfrenta com relação aos EUA diz respeito aos subsídios à agricultura norte-americana. Em 2000 o governo americano pagou aos agricultores daquele país US$ 32,3 bilhões, dos quais US$ 22 bilhões foram diretamente aos produtores. Esse volume gigantesco de subsídio destinado à agricultura tem consequências graves no mercado internacional, prejudicando países como o Brasil. Os subsídios provocam sérias distorções no mercado agrícola internacional. O caso da soja no Brasil é ilustrativo.


O país, segundo maior produtor de soja no mundo, e cujo produto assume papel importante na pauta de exportação, é obrigado a colocar esse produto no mercado internacional a US$ 1,26 por bushel, quando normalmente esse produto deveria ser comercializado a US$ 5 por bushel. Essa é uma questão que o Brasil precisa enfrentar com rigor. A agricultura brasileira é uma das maiores e mais modernas do mundo, e precisa ter acesso ao mercado norte-americano. Produtos competitivos como o açúcar, café, cacau, suco de laranja, entre outros, podem ganhar amplas fatias no mercado dos EUA com o fim dos subsídios.


De um modo geral, a Alca apresenta grandes desafios. São enormes as diferenças econômicas, sociais e políticas dos países componentes do bloco. Há que se implementar políticas que garantam o mínimo de homogeneidade às economias. Ajudas governamentais entrelaçadas são fundamentais para diminuir o grau de heterogeneidade econômica entre os países que vão compor o bloco. Outra preocupação é o impacto interno nas economias dos países do bloco. Simulações recentes mostram que no Brasil o impacto das três negociações em curso, Alca, Mercosul e União Européia, pode gerar mudanças em potencial que favoreceriam as Regiões Sul e Sudeste, aumentando a desigualdade regional brasileira.


Outra questão relaciona o fato de muitos países se encontrarem ainda em fase de estabilização de suas economias e muitos enfrentam sérias ameaças desestabilizadoras internas e externas. As acentuadas diferenças em termos monetários, fiscais e cambiais na região podem dificultar sobremaneira a reunião de condições macroeconômicas adequadas para evitar crises de balanço de pagamentos em algumas economias, fato que pode comprometer o andamento do processo da Alca. A Alca para o Brasil poderá ser favorável em termos concorrenciais.


Obviamente, este é um empreendimento difícil e de grandes riscos. Menos pela oposição de vários setores internos de vários países, como é o caso do movimento sindical norte-americano, dos lobbies do Congresso americano ou de alguns segmentos industriais brasileiros, e muito mais pelas dificuldades próprias à obtenção de um mínimo de coordenação macroeconômica exigida em projetos de integração desse porte. O Brasil tem de assumir os riscos associados à Alca. Para isto, deve fazer sua lição de casa. Calibrar as taxas de juros aos níveis internacionais, eliminar os gargalos no setor de transporte e qualificar mão-de-obra são medidas fundamentais para o setor produtivo brasileiro poder competir e aumentar sua participação de apenas 1% no comércio mundial.


O Brasil, terceira maior economia e segunda maior população das Américas, não pode omitir-se nesse processo, sob pena de acumular mais perdas do que ganhos. Ajustes são necessários para colocar o País em condições de disputar mercados de modo competitivo com outras nações, principalmente Estados Unidos e Canadá. Os riscos associados à abertura econômica são grandes, assim como as oportunidades que esse processo oferece. Parece, contudo, que a formação desse grande bloco econômico é praticamente irreversível.


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor-titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas, é deputado federal (PFL-SP) e coordenador do governo paralelo da cidade de São Paulo (E-mail: mcintra@marcoscintra.org).

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