HÁ QUASE UNANIMIDADE contra a Medida Provisória 135/03. Até mesmo aqueles que teoricamente são beneficiados pela mudança estão sendo levados pela onda de inconformismo e insatisfação com a alteração operacional da Cofins e com a ameaça de aumento da carga tributária global implícita na medida.
O incidente Cofins é sintoma de um novo clima que vem presidindo os debates da reforma tributária. O que deveria ser uma cruzada de toda a sociedade para a criação de um novo sistema de arrecadação de impostos acabou sendo transformado numa luta fratricida, num salve-se-quem-puder. A participação dos representantes dos três níveis de governo no debate se resumiu a uma triste corrida pela apropriação de parcelas do bolo tributário nacional.
Nessa disputa, o grande ausente é o contribuinte, o pagador de impostos, ainda que certamente caberá a ele ser o grande financiador desse espetáculo de fisiologismo explícito proporcionado pelas autoridades políticas e econômicas. Nesse descaso com o cidadão comum, surge ainda a curiosa presença do FMI, que em seu acordo com o governo se imiscui em assuntos de política econômica interna, exigindo, sabe-se lá para atender a quais interesses, a alteração do PIS/Cofins, transformando-os em tributos não-cumulativos.
A alteração da Cofins implica aumento significativo da carga tributária global e, sobretudo, de um novo e insuportável encargo aos setores prestadores de serviço que detinham, injustamente, a fama de pagar menos impostos que os demais setores produtivos brasileiros. Tese essa, aliás, refutada em recente estudo da Fundação Getulio Vargas, patrocinado pela Fesesp (Federação dos Serviços do Estado de São Paulo) e disponível em www.marcoscintra.org/padrao.asp?id=258. O setor de serviços, incluindo comércio e transportes, arrecada mais impostos que a indústria. Em relação ao PIB de cada setor, os tributos oneram os prestadores de serviços em 32%, o comércio em 37%, e a indústria de transformação em 31%.
O problema dos tributos sobre faturamento não está na cumulatividade, mas em sua fragilidade arrecadatória, por terem como fato gerador uma base declaratória como o faturamento das empresas, passível de enorme evasão.
Vale acrescentar que o modismo contra a cumulatividade e o fanatismo pró-valor agregado deverão fazer com que a emissão de uma inocente nota fiscal submeta uma empresa a uma incidência tributária superior a 40% do seu valor (17% de ICMS, 10% de IPI, 1,65% de PIS, 7,6% de Cofins e mais uns 5% se vingar a proposta constante no projeto de reforma tributária de substituir parte dos encargos sobre folha de salários por uma incidência "não-cumulativa" sobre faturamento). Nessas circunstâncias, é evidente que aumenta o prêmio ao sonegador.
Mais surpreendente ainda são as propostas que defendem a criação de um grande IVA nacional que englobe, adicionalmente, a base tributária do ISS, ou seja, a prestação de serviços. Dirão os defensores da ortodoxia tributária que haverá créditos e que a não-cumulatividade atenuará o impacto das altas alíquotas na formação dos preços.
Mas de que créditos tributários se valerão os prestadores de serviços cuja maior parcela de custos de produção se concentra no pagamento de salários, que não geram créditos tributários? Como explicar essa brutal discriminação contra o setor terciário, justamente o que mais cresce no mundo moderno, o que mais gera empregos e o que mais paga salários?
O grande desafio na questão fiscal é libertar a doutrina tributária dos dogmas ultrapassados da economia manufatureira típica dos dois últimos séculos de história econômica. A economia moderna é diferente. A globalização exige mecanismos tributários imunes à enorme fluidez de capitais e de riqueza que geram a felicidade dos paraísos fiscais, internos e externos.