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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Juros, culpa de quem?


Causou forte impacto a declaração do presidente Lula de que o "comodismo" dos usuários de instituições financeiras perpetua os elevados juros praticados no país. Segundo ele, o brasileiro reclama, mas é incapaz de pesquisar taxas mais baixas no mercado. Pesquisar o mercado financeiro para obter juros menores é uma atividade frustrante, em razão da quase inexistência de variação de taxa cobrada em uma mesma modalidade de crédito entre diferentes bancos. A pesquisa mensal do Procon em abril último mostra que nos sete maiores bancos privados o juro mensal no empréstimo pessoal foi de no mínimo 5,2% e no máximo 5,9%. Já no cheque especial, a menor taxa encontrada foi 8,3%, e a maior, 8,4%. Além disso, mudar de instituição normalmente implica custo adicional para o cliente, por conta de tarifas cadastrais e pelas não raras exigências envolvendo aquisição de produtos e serviços bancários. Portanto pesquisar taxas de juros entre bancos é uma tarefa infrutífera para reduzir custo com crédito. Por outro lado, a afirmação do presidente Lula é extremamente oportuna para retomar o debate envolvendo a questão do crédito, um dos principais elementos que limitam o potencial de desenvolvimento econômico do país. Igualmente importante é avaliar as causas dos escorchantes juros de mercado praticados no país, cuja principal explicação reside na concentração bancária. Tempos atrás, a questão dos altos juros de mercado no Brasil era focada quase que totalmente na taxa primária definida pelo BC. A Selic serviu em várias ocasiões para escamotear o poder exercido pelos bancos na definição dos juros finais. Em julho de 2003, publiquei no jornal "O Estado de S.Paulo" o artigo "Its the spread, stupid", no qual chamei a atenção para a estrutura do mercado bancário como uma das principais causas dos juros elevados no país. Na mesma época, a economista do FMI Agnés Belaisch publicou o estudo "Do Brazilian Banks Compete?" (Working Paper 03/113), que conclui que os bancos no Brasil atuam de modo oligopolístico e não são eficientes. Recentemente, o economista do FMI Charles Collyns afirmou que a principal causa dos elevados juros no Brasil não está relacionada com a política do Banco Central, como se apregoa, e sim com a falta de concorrência entre os bancos. A distorcida mecânica de formação dos juros pelos bancos fica evidente com um exemplo comparando o custo de captação das instituições financeiras com os juros cobrados dos tomadores de recursos. Atualmente, os bancos pagam cerca de 18% ao ano para o aplicador e multiplicam em média essa taxa por oito quando emprestam para pessoas físicas e por quatro quando financiam empresas. Em março último, a Anefac apurou que os juros anuais médios para as pessoas físicas foram de 158,9% no cheque especial, 51,6% no CDC e 93,6% no empréstimo pessoal. Para as empresas, os juros médios foram de 58,3% no desconto de duplicatas, 57,3% no desconto de cheques, 95,1% na conta garantida e 64,2% no capital de giro. O poder dos bancos fica ainda mais cristalino quando se compara o "spread" praticado pelas instituições no Brasil e nos países emergentes. Em 2003, a média foi de 43,7 pontos percentuais aqui, contra 3,9 pontos naqueles países. Ou seja, o "spread" praticado pelo setor bancário brasileiro é 10,2 vezes maior que o verificado em países no mesmo estágio de desenvolvimento que o nosso. É evidente o poder dos bancos na definição dos juros no Brasil. A confirmação dessa constatação se fortaleceu com a reação da Febraban ao discurso do presidente Lula. A entidade argumentou ser inútil pesquisar taxas, uma vez que elas não diferem de um banco para outro. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a SDE (Secretaria de Direito Econômico) e a Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico) deveriam exercer de modo articulado suas atribuições no sentido de enfrentar a atuação oligopolística dos bancos e, dessa forma, contribuir para a redução do juro. Além da atuação dos órgãos de defesa da concorrência contra o oligopólio bancário, há outras medidas importantes que poderiam minimizar o poder dos bancos como a revisão dos "spreads" praticados pelas instituições financeiras estatais. O BNDES, responsável por 20% do estoque de crédito, anuncia que irá reduzir o "spread" em linhas de financiamento para o setor produtivo e, conseqüentemente, os juros finais. Mas bancos comerciais como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil cobram juros em linhas de crédito livre que pouco se diferenciam dos das instituições privadas. Na pesquisa do Procon de abril, o juro médio cobrado pelos bancos oficiais foi de 5% no empréstimo pessoal e de 8% no cheque especial, enquanto nos bancos privados as taxas foram 5,7% e 8,4%, respectivamente. Dado o peso dos bancos oficiais no estoque de credito na economia brasileira, a redução agressiva de seus "spreads" impactou positivamente os juros finais e pressionariam os bancos privados no sentido de reduzirem suas taxas. Os bancos estatais devem incentivar a concorrência bancária, e não atuar como peça da estrutura oligopolizada.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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