São Paulo é vitima de uma concepção urbanística ultrapassada, que vê a cidade como um núcleo central rodeado por centros periféricos residenciais e comerciais de segunda ordem. O sistema viário segue essa lógica, com a construção de grandes artérias radiais para onde flui o trânsito, na expectativa de os veículos circularem em velocidades mais elevadas em direção a esses pontos centrais. A perdurar esse modelo, os problemas de congestionamento irão se agravar com o tempo, como vimos no artigo “Neuróticos e improdutivos”, publicado nesta coluna em 26/11/07. Se o leitor sobrevoar a cidade em um helicóptero, verificará que os congestionamentos se concentram nas grandes vias arteriais e em seus acessos, ao passo que o restante do leito carroçável fica quase sem fluxo de veículos, mesmo nos horários de pico. A perversa lógica viária arrasta os motoristas para essas artérias por meio de complexo sistema de mão e contramão, bloqueios de vias e redes de semáforos que privilegiam as grandes correntes de tráfego.
Essa concepção viária induz à execução dos megaprojetos de vias arteriais como os de gigantescos túneis, avenidas, viadutos e pontes (a grandiosidade da ponte estaiada da Berrini deixa a impressão de que transatlânticos irão circular abaixo dela nas raquíticas águas do rio Pinheiros!!). Essas grandes obras têm se revelado inúteis, pois apenas deslocam os congestionamentos para alguns metros adiante. Vale uma comparação de São Paulo com a ilha de Manhattan, em Nova York. Na capital paulista, são 1.509 km2, por onde circulam quase 6 milhões de veículos, ou seja, cerca de 4.000 veículos por km2. Em Manhattan, com área de 87,5 km2, circula 1,9 milhão de veículos, ou 22 mil carros por km2. Mesmo tendo densidade de veículos 4,5 vezes maior, os congestionamentos lá são bem menos intensos. Os veículos ocupam de maneira mais ou menos homogênea toda as vias da ilha, fazendo o trânsito fluir por toda a superfície com mais velocidade. Essa comparação mostra que a revascularização do trânsito em São Paulo, fazendo-o fluir por um número maior de vias, deveria ser a diretriz a ser seguida em curto prazo. O sistema arterial concentrador não funciona mais. O modelo arterial demanda investimentos pesados em grandes obras viárias, como a ponte estaiada da Berrini (R$ 230 milhões orçados) e os túneis Jânio Quadros (R$ 1,2 bilhão), Ayrton Senna (R$ 1,02 bilhão) e os Rebouças e Faria Lima (R$ 220 milhões), apenas para citar as mais conhecidas. Com os mesmos recursos teria sido possível revascularizar o trânsito construindo 88 novas pontes de porte médio, como a da Cidade Jardim, por exemplo, com seis vias cada uma, ao custo unitário de R$ 30 milhões. Seriam criadas 528 novas pistas em pontes que atravessariam os rios Pinheiros e Tietê a cada 500 metros, complementando as atuais 30, que viraram pontos de estrangulamento. O objetivo deve ser revascularizar o trânsito. Em vez de grandes obras, bastaria um conjunto de obras de porte menor por todos os pontos críticos da cidade de forma a criar um sistema integrado de circulação paralela às grandes artérias. A médio prazo se estaria criando uma malha de vias reticulares por toda a cidade, desconcentrando fluxos de veículos, retirando-os das artérias entupidas e aproveitando melhor cada metro quadrado dos mais de 16 mil quilômetros de vias existentes em São Paulo e que hoje ficam ociosas, exceto para o trânsito local.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.