Vários candidatos presidenciais estão propondo a adoção de um “imposto único”. Modernamente, o tema surgiu no Brasil com minha proposta, publicada na Folha de S. Paulo, no artigo “Por uma revolução tributária”, em 14 de janeiro de 1990, e que foi objeto, em 28 de janeiro de 1990, de um editorial de capa daquele jornal em apoio ao projeto. O que propus na ocasião foi a retomada de um debate que vinha desafiando economistas há séculos, ou seja, a busca de uma base tributária suficientemente ampla para permitir que com apenas um tributo o Estado fosse capaz de financiar suas atividades. Tal proposta havia conquistado notoriedade com o trabalho de Henry George na obra “Progress and Poverty”, no início do século passado, nos Estados Unidos, no qual ele propôs a adoção, frustrada, de um imposto único sobre a renda fundiária.
No Brasil, a persistência de crônicos e elevados patamares inflacionários que perduraram por décadas até o Plano Real, havia estimulado o desenvolvimento de sofisticada informatização bancária. Isto tornou possível a identificação de uma nova base tributária ampla, quase universal, que é a transação financeira alcançável mediante a tributação dos lançamentos bancários, resultando no reconhecido sucesso da adoção por doze anos do IPMF/CPMF (Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira e (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira). Cumpre lembrar que na ocasião critiquei de modo veemente o oportunismo do governo ao usar tal tributo apenas como mais um quando a ideia era que ele substituísse vários dos impostos e contribuições convencionais existentes.
Confundindo germano com gênero humano, o “imposto único” que vários candidatos estão propondo, contudo, tem pouco a ver com o conceito original mencionado acima. O que falam nesta campanha presidencial nada mais é do que a simples unificação/consolidação de alguns tributos existentes. Além de não alcançar a ambicionada unicidade tributária, os planos presidenciais de vários candidatos também diferem substancialmente do imposto único que apresentei em 1990 no tocante à base tributária a ser utilizada por este novo imposto.
Originalmente o Imposto Único previa a incidência tributária sobre a movimentação bancária, ao passo que atualmente fala-se no valor agregado como base de incidência do novo tributo chamado genericamente de IVA (imposto sobre valor agregado). O IVA enfrenta sérias e insuperáveis limitações.
Trata-se de um tributo declaratório e, portanto, facilmente manipulável, estruturado em práticas de “auto lançamento e auto recolhimento com auditoria”, uma tecnologia complexa, artesanal e profundamente contraditória com as tendências globalizantes e informatizadas das transações econômicas realizadas no mundo moderno, o que o torna rapidamente em uma forma de tributação precocemente anacrônica.
O “imposto único” incidente sobre o valor agregado (IVA), é uma ideia burocrática e ultrapassada e cuja alíquota ao redor de 25% é um estímulo à sonegação. Já o Imposto Único sobre a movimentação financeira, idealizado há 28 anos, representa uma inovação tributária em sintonia com a economia globalizada e digital e sua alíquota em torno de 1,5% cobrada de modo não declaratório combate a evasão de tributos, gera eficiência para as empresas e torna a distribuição do ônus entre os contribuintes mais equânime.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular da FGV (Fundação Getulio Vargas). É presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).