O acordo entre a Argentina e os bancos credores coloca mais uma vez em evidência a necessidade de uma correta avaliação do custo suportado pelo Brasil em manter-se inflexível na recusa em negociar com o FMI um programa econômico interno. Não apenas se repele qualquer possibilidade de assumir compromissos com aquele organismo, mas ainda existe a negativa sequer de expor um plano de ajustamento interno para a avaliação dos bancos credores, como reafirmou o ministro Dilson Funaro em sua recente viagem aos Estados Unidos.
No caso da Argentina, que aceitou discutir sua política econômica com a comunidade financeira internacional, foram obtidas condições de refinanciamento de cerca de US$ 30 bilhões em condições semelhantes às do México, que foram tidas, tanto por bancos como pelos devedores, como altamente favoráveis. O "spread" caiu para 0,8125% sobre a "Libor", e poderão ser concedidos novos empréstimos de quase US$ 2 bilhões dos bancos, e ainda novas linhas de crédito diretamente de governos estrangeiros. Não obstante a Argentina haver aceitado expor externamente seus planos, suas metas de crescimento não foram comprometidas e a inflação acha-se sob controle.
Alguns analistas começam a acreditar que os bancos internacionais, os governos dos países industrializados e os responsáveis pelos organismos multilaterais estariam reconsiderando suas posições quanto aos sacrifícios exigidos dos países devedores para saldar seus compromissos externos. De fato, existem indícios de que novas formas de equacionar o problema começam a surgir, como o incipiente Plano Baker e a tentativa japonesa de consolidar seus créditos em um organismo encarregado de reciclá-los em investimentos de risco.
Contudo, a motivação principal para esta nova orientação se deve essencialmente à tentativa de descobrir novas formas de garantir os recebimentos. Neste sentido, não se trata de amenizar os efeitos dos processos de ajustamento interno que os credores exigem dos devedores, mas sim de uma reconsideração crítica quanto à eficácia dos métodos antes empregados. Começa a ficar claro que as "condicionalidades" e as "cartas de intenção" que o FMI exigia dos devedores pecavam por confundir instrumentos com metas de política econômica.
Já existe uma extensa literatura crítica acerca da eficácia dos métodos de ajuste preconizados pelo FMI, e opiniões de economistas profissionais, mesmo nos países industrializados, começam a mudar. O importante no momento é não fechar todas as portas para uma futura negociação de uma política econômica interna capaz de compatibilizar todos os interesses envolvidos. O que o Brasil oferece hoje é muito pouco, pois se resume a um mero "deixa prá mim". Por outro lado, suspende os pagamentos e ainda pede mais US$ 4 bilhões em 1987. É verdade que nada de drástico ocorreu até agora, mas tudo ainda está apenas começando.
Que o país elabore seus planos, fixe suas metas e a partir delas, selecione os instrumentos. A verdadeira afirmação de soberania está no convencimento dos credores de que o plano é suficientemente viável para justificar o refinanciamento e ainda novos empréstimos. Tudo o mais é fuga, camuflada de valentia.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do departamento de Economia da FGV/SP, e Consultor de Economia desta Folha.