A Previdência para o século 21
- Marcos Cintra
- 8 de jul.
- 3 min de leitura
Continuar apertando regras pode, no máximo, dar alguns anos de fôlego ao sistema. Mas, cedo ou tarde, voltaremos ao mesmo ponto: a insuficiência crônica de recursos
O editorial Uma reforma que envelheceu rápido (Estadão, 10/5, A3) contribui de forma exemplar para o avanço do debate público sobre a Previdência Social brasileira. Não há dúvida de que o País precisa enfrentar o desafio da insolvência previdenciária. O impasse está no caminho a seguir.
De tempos em tempos, reformas são aprovadas, endurecendo o acesso aos benefícios e ajustando regras. Recentemente, vimos o aumento da idade mínima e do tempo de contribuição. Mas precisamos encarar: há um problema estrutural que esses ajustes não conseguem resolver e ele está justamente na forma como o sistema é financiado.
O modelo predominante no Brasil é de repartição. Isso significa dizer que a sociedade optou por garantir benefícios previdenciários de forma universal, ou seja, não necessariamente vinculados a contribuições individualizadas.
Hoje, o sistema depende das contribuições incidentes sobre os empregados e empregadores. Essa foi uma escolha que, décadas atrás, fazia pleno sentido: com uma população jovem e o emprego formal crescendo junto com a industrialização, garantir o pacto de gerações era matematicamente fácil. Hoje, porém, a realidade é o oposto. O Brasil vive uma transição demográfica acelerada: temos menos jovens entrando no mercado de trabalho e a pirâmide populacional está se invertendo rapidamente.
O problema se agrava com o crescimento do trabalho independente e das ocupações informais ou autônomas, que vêm reduzindo aceleradamente a fatia de brasileiros que contribui para a Previdência de forma regular e proporcional aos benefícios esperados.
Diante disso, tornou-se rotina propor o combate à evasão e o endurecimento das regras de benefícios, como idade mínima e desatrelamento ao salário mínimo.
É verdade que essas mudanças reduzem temporariamente a pressão sobre o sistema. Mas essa saída não resiste ao teste do tempo. Os parâmetros podem até ser “corrigidos”, apertando as regras, retardando aposentadorias e cortando privilégios. Contudo, se a base de arrecadação continua a se estreitar, os alívios oferecidos por medidas paramétricas logo se esgotam. E é preciso dizer: há limites sociais e políticos para reduzir benefícios que, muitas vezes, são a linha que separa milhões da pobreza extrema.
A Previdência envelheceu e se mostra, cada vez mais, incapaz de dar conta dos compromissos assumidos com as próximas gerações.
Há experiências internacionais que indicam alternativas.
Países que passaram por transições demográficas semelhantes ampliaram suas fontes de financiamento previdenciário ao agregar tributos gerais sobre consumo, lucros, patrimônio (como faz o Brasil com a Cofins e a CSLL) e até receitas de recursos naturais. O exemplo do Fundo Soberano da Noruega mostra como royalties do petróleo podem se reverter em políticas de proteção social. O Alasca oferece um exemplo de distribuição equitativa da riqueza por meio do Alaska Permanent Fund, que transforma lucros do petróleo em dividendos pagos diretamente aos seus residentes, complementando assim a renda familiar e contribuindo para a seguridade social de forma indireta. O Reino Unido, em 2016, reformulou seu sistema com a introdução do New State Pension, buscando tornar o sistema mais simples e alinhado às mudanças demográficas e ao mercado de trabalho, incentivando a poupança privada. E existe, ainda, o debate sobre modelos mistos, que combinam repartição solidária com capitalização, como o Chile, permitindo amortecer o impacto de oscilações no mercado de trabalho tradicional. Outros ainda desenvolvem ambiciosos programas de venda de ativos como empresas estatais, com o objetivo específico de reforçar fundos de previdência, como fizeram a Polônia e parcialmente a Rússia.
A verdade é que o problema da Previdência no Brasil não se encontra prioritariamente na excessiva generosidade de benefícios em si; tampouco se limita à existência de irregularidades. O centro da questão é que a base de arrecadação não acompanha a nova realidade social e econômica do País e do mundo digital moderno.
Continuar apertando regras pode, no máximo, dar alguns anos de fôlego ao sistema. Mas, cedo ou tarde, voltaremos ao mesmo ponto: a insuficiência crônica de recursos para garantir benefícios justos.
Por isso, é essencial buscar novas soluções para o fortalecimento da base de financiamento da Previdência. O caminho pode incluir desde impostos sobre grandes patrimônios e heranças, passando pela venda de ativos estatais para capitalização de fundos previdenciários ou mesmo pelo uso responsável de receitas extraordinárias – como os royalties do pré-sal ou da futura Margem Equatorial – até tributações modernas sobre circulação financeira (posição que venho defendendo há décadas) e sobre a economia digital, além de mecanismos para integrar os informais de maneira justa e viável.
O caminho deve ser buscado na desoneração responsável da folha de pagamentos, aliada à ampliação da arrecadação sobre novas atividades e sobre bases econômicas digitais contemporâneas.
Opinião por Marcos Cintra
Professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas, foi deputado federal e secretário da Receita Federal
Publicado no Estadão.







