As últimas previsões para a safra 1984/5 não dão margem a otimismo com relação à performance do setor agrícola brasileiro. Em São Paulo, segundo a Secretaria da Agricultura, não deverão ocorrer aumentos substanciais na produção, podendo, mesmo, haver redução em importantes lavouras como milho (-19%) e feijão (-3%). Também a nível nacional, segundo a Comissão de Financiamento da Produção, a safra do Centro-Sul de algodão, amendoim, arroz, feijão, mamona, milho e soja poderá chegar a 44,7 milhões de toneladas, um incremento de somente 3,2% sobre a produção de 43,3 milhões de toneladas obtidos em 1984. Ainda assim deverão ocorrer reduções nas colheitas de arroz (-2%) e milho (-1%). Se estas expectativas forem realizadas, o setor agrícola brasileiro estará evidenciando um lento processo de recuperação da produção após as drásticas quedas observadas durante o ano de 1982.
Os índices de produto real da lavoura, segundo o FIBGE, demonstram que houve aumento da produção da ordem de 7% em 1979, 9% em 1980, 7% em 1981 e uma queda de 5% em 1982. A produção de 1983 foi tão-somente 2% acima da de 1982, não chegando portanto a recuperar os níveis obtidos em anos anteriores. Ainda não se dispõem de dados definitivos para 1984, mas as estimativas mostram recuperação modesta para quase todos os produtos. A tabela abaixo mostra que numa análise temporal mais longa, com exceção das colheitas de café, cana e laranja, influenciadas favoravelmente pela performance dos mercados externos, a da maioria dos demais produtos situa-se atualmente em patamares de produção constantes ou abaixo dos obtidos nos anos 1979-81.
É particularmente notável a discrepância nos resultados obtidos entre lavouras de maior orientação para exportação, que demonstram vigorosos processos de expansão, e aquelas para o consumo interno, cujos índices de crescimento vêm sendo baixos, senão negativos. O mesmo ocorre no setor de produtos alimentícios industrializados, que, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, foi um dos poucos setores industriais do Estado a sofrer processo de redução das vendas reais durante o ano de 1984.
Face a este quadro têm surgido os mais variados apelos no sentido de incentivar-se a produção de gêneros alimentícios para o mercado interno, como se o setor agrícola não estivesse atendendo, a contento, à demanda efetiva de mercado. Cria-se, assim, uma imagem equivocada da realidade, pela qual a agricultura estaria impossibilitada de abastecer a demanda alimentar interna. Há que ressaltar que o verdadeiro ponto de estrangulamento não se encontra nesta suposta inelasticidade de oferta agrícola, mas sim na compressão do mercado interno. A performance satisfatória em lavouras de exportação e de produção energética demonstram que a agricultura brasileira tem condições de responder positivamente às necessidades do mercado, desde que existam perspectivas favoráveis de rentabilidade.
Mesmo no mercado interno observa-se que os incentivos concedidos no passado visando ao incremento da produção de feijão, bem como os preços remuneradores para o algodão no ano findo, e os preços mínimos adequados para o amendoim, foram condições suficientes para que a expectativa de produção para estes itens seja favorável nesta safra. Não são, portanto, deficiências estruturais do setor agrícola que limitam o crescimento da produção para o mercado interno, mas antes os efeitos da grave crise conjuntural que restringe o poder aquisitivo interno, resultado do forte arrocho salarial imposto aos trabalhadores brasileiros. Assim, de pouco adiantam estímulos para aumentos de safra se o mercado interno não puder absorvê-los - tais excessos de oferta poderão causar reduções nas cotações e comprometer ainda mais a lucratividade do agricultor.
Exemplo disto parece estar ocorrendo, no momento, com o algodão, que, como resultado de altos preços obtidos no ano passado, teve sua produção expandida de tal maneira que a queda das cotações poderá torná-la uma atividade gravosa, iniciando assim novo ciclo de escassez. Falar em aumentar a oferta de mercado de produtos alimentares, por quaisquer meios disponíveis, sem um concomitante programa de incremento do efetivo mercado consumidor interno, será, antes de mais nada, uma forma ingênua de agravar as dificuldades por que passa a agricultura brasileira. A visão "estatística" do problema, calcada na constatação isolada de uma produção alimentar decrescente, é simplista, ao julgar que a mera elevação da oferta solucionará a questão. As causas da relativa estagnação do setor agrícola nos últimos anos não deve ser buscada somente na identificação de suas falhas estruturais, as quais, embora reais, são menos impeditivas do incremento da produção do que o estreitamento do mercado consumidor.
Assim, a melhor política econômica para a agricultura, sem falar em subsídios ao consumo, será aquela que puder garantir a superação da recessão, expandindo os níveis de emprego, de salários e, consequentemente, alargando o poder aquisitivo do mercado interno. Isto sem prejuízo das medidas de caráter estrutural que se façam necessárias, tais como maior fase no aumento da produtividade dos itens de consumo interno, investimentos nas áreas de transporte e armazenamento e as necessárias correções na atual estrutura fundiária.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 40 anos, é professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (SP).