A transação financeira como base de incidência tributária surgiu com a recente supremacia da moeda escritural sobre a moeda manual e com a intensa informatização das operações bancárias.
A convergência entre a busca da unicidade tributária e a solidificação de um sistema baseado na moeda escritural eletrônica deu origem à proposta do Imposto Único no Brasil, que introduziu a movimentação financeira como uma nova e eficiente forma de obter recursos públicos.
Trata-se de um modo de tributação que vai se impor em um cenário mundial em que a economia se assenta cada vez mais sobre bases digitais.
A principal razão do surgimento no Brasil da movimentação financeira como base de unificação de tributos advém de fundamentos históricos.
Ainda que o Imposto Único tenha uma longa e respeitável tradição na evolução do pensamento econômico, ele nunca pôde se materializar, pois em nenhuma circunstância uma sociedade reuniu as duas condições básicas para a efetiva operacionalização do conceito de transação como base tributária.
A primeira é a existência de um sistema bancário altamente informatizado, com um sistema nacional em tempo real de compensação de documentos e de registro de operações. A segunda é a predisposição cultural da sociedade de não usar moeda manual, substituindo-a pelas mais variadas formas de moeda escritural.
O Brasil preenche plenamente esses dois quesitos. Possui um dos sistemas bancários mais desenvolvidos e informatizados em todo o mundo, com padrões tecnológicos superiores aos encontrados em economias desenvolvidas, como nos Estados Unidos e na Europa.
Em realidade, o País é referência mundial em tecnologia bancária. Além disso, a economia brasileira é uma das mais desmonetizadas do mundo e, culturalmente, já absorveu a inevitável substituição da moeda manual pela moeda escritural, principalmente pela moeda eletrônica.
Em 1993, quando se discutia a criação de um imposto sobre movimentação financeira com o propósito de contribuir para o ajuste das contas públicas (o IPMF instituído naquele ano) e depois para financiar a saúde pública (a CPMF criada em 1996), muitos críticos desse tipo de tributo alardearam que ele seria danoso ao sistema produtivo nacional. Os fatos acabaram desmentindo as profecias catastróficas apregoadas na época.
A experiência brasileira com a tributação sobre movimentação financeira foi positiva. Mostrou-se um tributo de baixo custo para os contribuintes e para o governo.
Porém, um dos seus méritos que merece ser destacado é a capacidade que esse tipo de imposto tem que é o de combater a sonegação, fenômeno causador de desigualdade na distribuição da carga tributária entre os contribuintes, uma vez que quem não consegue sonegar paga pelos que conseguem fazê-lo e que consiste em um fator deflagrador de concorrência desleal no meio empresarial, já que uma firma que sonega pode prosperar, enquanto outra que paga seus impostos corre o risco de ser eliminada do mercado.
Infelizmente, a implantação do imposto sobre movimentação financeira foi desvirtuada no Brasil. Surgiu como mais um tributo, quando a ideia inicial era ser um substituto dos atuais impostos e contribuições.
Um único imposto eletrônico seria instituído no lugar de tributos que hoje representam dois terços da carga tributária do País. Por razões políticas, e não técnicas, ele foi extinto a partir de 2008, mas sua volta como idealizado originalmente é uma questão de tempo.
Marcos Cintra: Doutor em Economia e professor da Fundação Getúlio Vargas
Publicado no Jornal Correio do Estado.