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Marcos Cintra

O processo de crescimento nos países subdesenvolvidos


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE - Diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - produziu este texto, apresentado no "LISBON MEETING 88", realizado em Lisboa de 6 a 8 de maio de 1988, e aqui publicado por iniciativa do INSTITUTO TANCREDO NEVES, República Federativa do Brasil, e da FUNDAÇÃO FRIEDRICH NAUMANN, República Federal da Alemanha.


AS DESIGUALDADES NO SUBDESENVOLVIMENTO

Falar sobre países em desenvolvimento no mundo de hoje implica em generalizações nem sempre justificáveis. Se, no século passado ou mesmo até meados deste, era fácil classificar nações em termos de seus respectivos graus de desenvolvimento econômico, hoje esse exercício é dificultado pelas enormes variações observadas nos critérios usualmente aceitos como indicadores de progresso econômico.

China e Índia, os dois maiores contingentes populacionais do mundo, tiveram em 1985 uma renda per capita anual de US$ 290, enquanto a Etiópia não conseguiu ultrapassar US$ 110. Em uma posição intermediária situam-se países como o Peru (US$ 1.285), Colômbia (US$ 1.320) e Síria (US$ 1.560), seguidos por Brasil (US$ 1.640), Malásia (US$ 1.288), Portugal (US$ 1.970), Venezuela (US$ 3.080) e Grécia (US$ 3.550). Finalmente, no topo da pirâmide, estão Israel (US$ 4.990), Hong Kong (US$ 6.230) e Cingapura (US$ 7.420), não incluindo os exportadores de petróleo de alta renda.

A disparidade de renda per capita, que atinge uma proporção de 70 para 1 (Cingapura e Etiópia), mostra-se ainda mais intensa do que a diferença entre o PIB de países em desenvolvimento de renda média, em torno de US$ 1.300, e o das economias industriais de mercado, que era de US$ 11.810. Mesmo considerando o caso dos EUA, cuja renda per capita foi de US$ 16.690 em 1985, a relação frente à média dos países em desenvolvimento não chega a 13 para 1.

Essas discrepâncias tornam-se ainda mais graves ao se considerar a distribuição de renda. As disparidades de renda per capita transformam-se em diferenças brutais no bem-estar da população, uma vez que, entre os países em desenvolvimento, a parcela da renda familiar dos 10% mais ricos da população é sempre superior a 30%, enquanto a participação dos 20% mais pobres raramente ultrapassa 6% da renda, nos países para os quais há estatísticas disponíveis. A renda dos mais ricos frequentemente é 6 ou 7 vezes maior do que a dos mais pobres, atingindo extremos como no Brasil e na Costa do Marfim, onde essa relação chega próximo de 30 (33 e 25, respectivamente). Em comparação, entre as economias industriais de mercado, o maior valor obtido segundo dados do Banco Mundial foi de 8,7, verificado na Austrália e na Nova Zelândia. Nos EUA, essa relação é de 7,5, na Suécia de 5,6 e no Japão e na Holanda de 4,3.

Das discrepâncias de renda, agravadas pelas desigualdades distributivas, resultam enormes variações nos indicadores sociais. Na escala inferior dos países em desenvolvimento, a expectativa de vida é de cerca de 50 anos (Butão 44, Etiópia 45, Paquistão e Bangladesh 51), enquanto, no intervalo superior, vários países superam 70 anos, índice semelhante ao das economias industriais de mercado, com uma média de 76 anos (Brasil 65, México 67, Argentina 70, Uruguai 72 e Portugal 74).

Nos países mais pobres, a taxa de matrícula na educação secundária é de 32% para o grupo etário apropriado (Etiópia 12%, Birmânia 24%, Índia 34% e Zaire 57%); nos países em desenvolvimento de renda média, essa taxa chega a uma média de 56% (Brasil 35%, Portugal 47%, México 55%, Grécia 82%). Nas economias industriais de mercado, essa taxa atinge 90%. O consumo de energia per capita, equivalente a quilogramas de carvão por ano, é de 692 kg no Equador e de 3.029 kg na Venezuela; apenas 57% da população mexicana dispõe de água encanada, enquanto, no Uruguai, essa taxa chega a 92%.

Em resumo, as disparidades são tantas que se torna difícil abordar o problema do crescimento e desenvolvimento econômico de modo uniforme. Ainda existem diferenças geográficas, culturais e a própria evolução histórica de cada sociedade. Como analisar conjuntamente a América Latina, onde vários países tinham, em 1960, uma renda per capita superior à do Japão e à de vários países europeus, com países da África que nunca superaram a mais estrita miséria? A Argentina teve, nas primeiras décadas deste século, uma renda per capita equivalente à da França. Hoje é inferior à da Espanha e da Grécia, e equivalente à da Coreia.

Em 1960, Uruguai e Venezuela superaram Itália, Espanha e Japão em suas rendas per capita; a da Argentina era três vezes maior do que a da Coreia, e a do Chile era próxima à da Espanha e superior à de Portugal e à da Grécia. Mas, em 1985, as maiores rendas per capita da América Latina não atingiam US$ 2.800, enquanto a da Coreia saltou para US$ 2.648, a do Japão para US$ 7.130, a da Itália para US$ 4.808, a da Espanha para US$ 4.336, a de Cingapura para US$ 5.000 e a de Formosa para US$ 3.160.


Notam-se, portanto, descontinuidades profundas na evolução econômica dos países em desenvolvimento. A tendência à estagnação de vários países, como é o caso de algumas nações africanas, da Ásia e da América Latina, contrasta com a meteórica explosão de crescimento verificada no Japão e em outros países da Ásia como Cingapura, Coreia, Taiwan e Hong-Kong. No meio, encontram-se os casos latino-americanos de economias que mostraram dinamismo até o final da década de 60, mas que, com a possível e ainda incerta exceção do Brasil, convivem nos últimos 20 anos com uma estagnação econômica que ameaça tornar-se crônica e cada vez mais difícil de ser superada.

Frente a tanta diversidade, como apontar o caminho para o desenvolvimento econômico?


O QUE ESPERAR DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS

O PIB das economias desenvolvidas, excluindo-se a União Soviética e alguns outros países socialistas, equivale a cerca de quatro vezes o valor total do PIB dos países em desenvolvimento — cerca de US$ 2.500 bilhões contra US$ 10.000 bilhões. Com tamanha importância na geração global de bens e serviços, as políticas econômicas adotadas nos países industrializados tornam-se essenciais na determinação da evolução dos países pobres.

De forma mais direta, a inter-relação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento ocorre por meio de dois canais principais: comércio internacional e poupança externa. Na medida em que a evolução destes dois fluxos dependa da evolução do crescimento econômico nos países ricos, também o desenvolvimento econômico nos países pobres estará intimamente atrelado à performance das principais economias da Europa, do Japão e dos EUA. Neste sentido, a manutenção do crescimento econômico das economias industrializadas de alta renda é condição necessária para qualquer esforço de intensificação do crescimento econômico nas nações em desenvolvimento.

Entre 1965 e 1973, a média anual de crescimento dos países industriais de mercado foi de 4,7% ao ano; entre 1973 e 1980 caiu para 2,8%. Em 1984 houve uma expansão de 4,6%, mas logo em seguida retornou ao padrão dos últimos quinze anos, de 2,8% em 1985 e em 1986. Neste período, também a taxa média de crescimento anual dos países do Terceiro Mundo caiu de 6,1% entre 1965 e 1973 para 5,4% entre 1973 e 1980. No mesmo padrão que as economias ricas, em 1984 o crescimento médio atingiu 5,3%, caindo em 1985 e 1986 para 4,8% e 4,2%. Nota-se assim uma forte correlação nas tendências de crescimento, evidenciando as ligações existentes entre as economias ricas e pobres do mundo.

O primeiro elo de ligação é o comércio internacional. Aproximadamente dois terços das exportações dos países em desenvolvimento vão para as economias industrializadas, ao passo que cerca de 75% das exportações dos países ricos são para eles próprios. A assimetria é evidente. Os países em desenvolvimento dependem essencialmente das importações dos países industrializados, enquanto que estes últimos embarcam apenas cerca de 25% do total de suas exportações para os países pobres (Tabela 1).

A partir de meados da década de 70, houve um enorme retrocesso na tendência mundial de liberalização do comércio internacional iniciada após a 2ª Guerra Mundial. Os acordos internacionais de redução tarifária não abrangeram produtos agrícolas e bens industriais exportados pelos países em desenvolvimento com a mesma intensidade com que atingiram a pauta de exportações dos países industrializados. E a recessão mundial de 1974-75 iniciou uma nova onda protecionista nos países industrializados, implicando o uso de novos instrumentos como controles de preços, controles de qualidade, limitações "voluntárias" e outros tipos de restrições.

O importante a ser enfatizado, contudo, é que este movimento neo-protecionista atingiu mais fortemente os países em desenvolvimento e particularmente a América Latina. Em 1984 quase 30% das importações dos países industrializados oriundas de países do Terceiro Mundo estavam sujeitas a restrições não-tarifárias, contra 11,3% dos produtos dos países ricos.

Há algumas exigências básicas para que o crescimento econômico nos países pobres possa ser sustentado: a) um crescimento médio nas economias industrializadas de pelo menos 3% ao ano; b) maior abertura nos mercados dos países industrializados para mercadorias dos países em desenvolvimento, principalmente pela redução do protecionismo, velado ou explícito; c) maior estabilidade nas taxas de câmbio das moedas dos países desenvolvidos.

É consenso que, para a obtenção desses objetivos, importantes não apenas para a estabilidade nos países desenvolvidos, mas também para impulsionar o crescimento econômico dos países pobres, os EUA reequilibrem sua política fiscal vis-à-vis sua política monetária, reduzindo sua demanda interna e, consequentemente, seus déficits fiscal e comercial. Por outro lado, caberia aos países mais dinâmicos, como a Alemanha e o Japão, expandirem suas economias, de forma a manter a meta de um crescimento médio mínimo de 3% ao ano para o conjunto das nações ricas.

O crash de 1987 das principais bolsas do mundo foi um primeiro alerta para a urgência de medidas corretivas nos EUA. Muito provavelmente, não existirão condições para que a queda das bolsas se transforme numa depressão mundial. A reação do governo norte-americano no sentido de expandir rapidamente a liquidez da economia — e com isto evitar o erro cometido em 1929, quando houve um movimento inverso que reforçou a recessão — poderá evitar a presença de um desaquecimento ainda mais forte da economia mundial. Por outro lado, esta opção implicará, provavelmente, o abandono do dólar, com todos os inconvenientes que acarretará.


DIFERENÇAS NOS PADRÕES DE CRESCIMENTOMas um fato histórico no comércio internacional chama a atenção: o contraste entre os países em desenvolvimento orientados para o exterior — os exportadores de manufaturados — e o grupo dos países altamente endividados. Os primeiros têm suas exportações mais diversificadas, com apenas metade delas orientadas para os países desenvolvidos. Os endividados, por outro lado, concentram naqueles mercados mais de duas terças partes de suas exportações. Forçados a gerar, por conta das remessas de juros a que estão submetidos, altos superávits comerciais em divisas fortes, este grupo de países acaba dependendo com maior intensidade dos mercados dos países desenvolvidos.

Mas o impacto maior da questão do endividamento está localizado no potencial de crescimento das economias do Terceiro Mundo.Os países em desenvolvimento exportadores de manufaturados mantiveram uma média de crescimento de 7% entre 1965/73 e de 6% entre 1973/80 (contra 6,5% e 5,4% para a média de todos os países em desenvolvimento); os endividados obtiveram taxas de 6% e 5,9%, respectivamente, próximas, portanto, da média global dos países pobres. Contudo, a partir de 1982, com a crise de liquidez internacional, os grandes exportadores mantiveram, até 1986, uma taxa de crescimento médio de 6%, contra apenas 3% dos países endividados.

Sem dúvida alguma, o ajuste externo a que se submeteram os países endividados foi brutal. Os anos 80 já são chamados de a "década perdida" no que se refere ao crescimento econômico, e, para países e populações atribulados pela pobreza, quando não pela miséria, o desperdício de uma década inteira torna-se um fator de frustração e revolta, com consequências sociais e políticas imprevisíveis.

É totalmente desnecessário elaborar sobre a crise do endividamento externo. Basta dizer que, entre 1970 e 1985, o serviço da dívida pública externa como percentagem do Produto Nacional Bruto dos países em desenvolvimento passou de 2% para 4%; especificamente para os países mais endividados, os números são 1% e 5,1%, respectivamente, ao passo que para os exportadores de manufaturados, foi de 1,2% para apenas 2%. Com certeza, a situação torna-se ainda mais angustiante com a inclusão da dívida privada.

O impacto da crise do endividamento forçou os países devedores a uma forte contração em seus investimentos. Sem possibilidade de novos ingressos de recursos externos desde o início da década, estes países transformaram-se subitamente em exportadores líquidos de capital, com perversos reflexos na oferta de poupança, e, portanto, nas taxas de formação de capital e de crescimento econômico.

Os dados até 1985 mostram, para a maioria dos países em desenvolvimento, sensíveis quedas nas taxas de investimento e de poupança externa (Tabela 2). Esta tendência certamente vem se agravando. Neste sentido, torna-se imprescindível que os países ricos se esforcem para evitar que as taxas de juros reais externas se situem em patamares superiores ao teto histórico de 5%. Além disso, para facilitar a superação do angustiante estrangulamento externo de grande parte das economias em desenvolvimento, urge reiniciar os fluxos de capitais de empréstimo e de risco, que, durante a década de 80, sofreram abrupta paralisação.

Sem o empenho das economias industrializadas no sentido de manterem uma adequada taxa de crescimento, uma decidida política de combate ao crescente protecionismo e, sobretudo, medidas fiscais e monetárias coordenadas capazes de reduzir as taxas de juros e estabilizar as taxas de câmbio, dificilmente os países em desenvolvimento terão condições mínimas de iniciar um novo processo de crescimento. Por sua vez, a crise da dívida externa continuará rondando a comunidade financeira internacional, inviabilizando os mecanismos de financiamento do crescimento econômico dos países em desenvolvimento.

AS OPÇÕES DE CRESCIMENTOMas certamente caberia indagar se todos os males e contradições que afligem os países subdesenvolvidos têm origem no comportamento das nações industrializadas. Será o subdesenvolvimento necessariamente a outra face do desenvolvimento dos países industrializados? Serão as economias em desenvolvimento vítimas de um sistema econômico perverso em sua própria natureza?

Aceitar tais interpretações da história equivaleria a um descabido determinismo e, ao mesmo tempo, isentaria as elites dos países pobres de qualquer dose de incompetência e de falta de visão, acusações que não poderão ser facilmente descartadas. Na realidade, uma análise dos padrões de crescimento de alguns grupos de países pobres mostra com clareza que os modelos adotados são distintos, refletindo opções deliberadas na determinação de suas políticas econômicas.

O modelo de desenvolvimento adotado pelos países exportadores de manufaturados da área do Pacífico acabou se transformando num novo paradigma de crescimento; uma nova ortodoxia que se contrapõe ao receituário da CEPAL, que tanto influenciou os planejadores econômicos nas primeiras décadas do pós-guerra.

A antiga ortodoxia preconizava a substituição de importações a qualquer custo, e a industrialização era tida como uma renovada esperança de prosperidade. Para a obtenção dessas metas, justificava-se que as economias se voltassem para seus próprios mercados, e que os novos setores produtivos gozassem de barreiras comerciais capazes de protegê-los contra a concorrência externa. Ao mesmo tempo, dadas as limitações de recursos financeiros e gerenciais de uma burguesia apenas incipiente, criaram-se as condições ideais para o surgimento de um Estado forte capaz de introduzir nessas economias atividades manufatureiras consideradas modernas, além de executar pesados investimentos em infraestrutura de apoio ao novo processo industrializante. Neste modelo, voltado para dentro, o Estado assumiu o papel de agente econômico preponderante, desempenhando funções de produtor, fomentador e regulador da economia.

Cabe apontar que, em meados do século, os economistas já percebiam que a evolução do capitalismo moderno era diferente das concepções clássicas. A estrutura de poder e de dependência entre os países ricos, de um lado, e os subdesenvolvidos, de outro, exigia a presença governamental para se tentar evitar um desequilíbrio de forças que ameaçava perpetuar uma desvantajosa divisão internacional do trabalho. A produção e distribuição de mercadorias ocorria dentro de uma estrutura de mercado caracterizada pela concentração, tornando imprescindível a participação do governo como um fator de defesa dos interesses nacionais.

Com esta visão da economia, vários países, principalmente os latino-americanos, deram impulso a um vigoroso processo de crescimento econômico. Como vimos, este movimento deu mostras de ser capaz de aproximar os valores da renda per capita de alguns países da América Latina com as economias desenvolvidas da Europa. Parecia que fora achada, finalmente, a fórmula do progresso econômico mundial. Inicialmente, coube ao Estado a tarefa de gerar meios de financiamento ao esforço de industrialização, seja através de poupança própria, seja por meio de gerenciamento de transferência de renda entre setores com poupança disponível para aqueles carentes de recursos. Numa segunda etapa, o processo teve continuidade a partir dos empréstimos feitos pelos bancos comerciais desejosos de reciclar seus petrodólares.

Este modelo de desenvolvimento permitiu aos principais países latino-americanos atingirem um razoável grau de industrialização durante a década de 50. Após a substituição de bens de consumo importados, iniciou-se um processo mais penoso de industrialização nas áreas de bens intermediários e de consumo durável, e mais recentemente de bens de capital e insumos básicos.


As crescentes e naturais dificuldades exigiram desses países um modelo cada vez mais fechado, concentrado, visando à obtenção de economias de escala e cada vez mais estatizado. Como resultado, essas economias emergiram na década de 1980 demonstrando grande fragilidade em relação às suas possibilidades de competitividade internacional. A forte proteção concedida gerou setores industriais pouco eficientes, fortemente subsidiados e com pouco dinamismo tecnológico. Faltou-lhes, essencialmente, o confronto com o mercado.

Com a crise da dívida, que eclodiu violentamente em 1982, essas economias foram forçadas a realizar fortes ajustes para continuar atendendo suas obrigações externas. E esses países, que seguiram as recomendações da CEPAL, encontram-se hoje imersos em profundos processos recessivos.

Em contraposição a esse modelo de crescimento, surgiu, a partir do início da década de 1970, uma nova ortodoxia, baseada na experiência dos "tigres asiáticos". A abertura econômica para o exterior, o respeito às regras do mercado livre e a ênfase na iniciativa privada são os pilares deste novo modelo de desenvolvimento, cujo sucesso é evidenciado por economias como Japão, Singapura, Hong Kong, Taiwan e Coreia. Como vimos anteriormente, esses países apresentaram nas últimas décadas taxas de crescimento substancialmente mais elevadas do que as economias latino-americanas, conseguindo rapidamente superar o PIB per capita dos países que optaram pelo desenvolvimento voltado ao mercado interno.

Os países asiáticos também obtiveram financiamentos internacionais, mas a crise de liquidez recente não os afetou com a mesma intensidade que em outras regiões. Mesmo durante períodos de crise, continuaram investindo em setores voltados para exportação, gerando divisas suficientes para atender seus compromissos externos sem necessidade de grandes ajustes internos.

Cabe lembrar que alguns países, notadamente o Brasil, adotaram estratégias mistas entre o modelo substituidor de importações e o modelo exportador. Contudo, as tentativas de liberalização econômica não tiveram a continuidade e constância das economias asiáticas.

Como avaliar essas duas trajetórias de crescimento? São conflitantes? Trata-se de uma escolha única? Tomemos o exemplo de uma política econômica citada pelo economista Jeffrey Sachs: um país atrelou sua moeda ao dólar em 1950 e manteve a paridade nominal fixa em termos absolutos por mais de 20 anos. Durante os primeiros 15 anos desse período (até 1964), o câmbio foi estritamente racionado por uma agência governamental e a moeda esteve sempre sobrevalorizada. Uma lei de controle de comércio e câmbio de 1949 conferia ao governo o monopólio da compra de moeda estrangeira, sendo a única fonte legal de divisas, com regras não explícitas para sua distribuição. Burocratas alocavam moeda estrangeira a setores favorecidos, especialmente para empresas privadas de interesse estratégico. O mercado de capitais interno era altamente regulamentado e isolado dos mercados internacionais. O investimento direto externo foi fortemente limitado, com restrições legais e administrativas à participação majoritária de empresas estrangeiras. Nos anos 1960, cerca de 1/3 dos fundos externos para investimento industrial teve origem em empréstimos de instituições financeiras governamentais, com taxas subsidiadas. Esse país era o Japão.

Considerem também a forte intervenção pública japonesa no comércio exterior e o apoio aos setores exportadores; o esforço coreano na criação de grandes "trading companies"; o peso do setor estatal em Taiwan e Coreia, que correspondem a 35% e 25%, respectivamente, da formação bruta de capital; o papel do governo coreano na implantação das indústrias de ferro, aço e produtos químicos; e as transferências de dólares dos EUA que financiaram grande parte das importações de Taiwan e Coreia entre 1955 e 1959.

Diante disso, observa-se que o modelo exportador-liberalizante seguido nos países asiáticos se assemelhou bastante ao modelo substituidor de importações latino-americano, com um forte papel desempenhado por um Estado intervencionista. Não se trata de livre concorrência e liberalismo econômico, como muitos tentam associar ao modelo de crescimento dos exportadores asiáticos.

Existem diferenças em relação ao modelo da CEPAL, como a constante orientação para o exterior que os países asiáticos imprimiram em sua política econômica. Porém, a intervenção pública não foi uma disparidade perceptível entre os dois modelos de crescimento aqui analisados. Reconhece-se, ainda, que o tipo de presença estatal foi distinto, já que nos países do Extremo Oriente todas as medidas de política econômica sempre passaram pelo teste do mercado externo.

Que lições podemos tirar dessa breve análise dos dois padrões de desenvolvimento? Nota-se que a fase de substituição de importações, com ênfase no mercado interno e presença governamental, foi uma etapa pela qual passaram, com maior ou menor precisão, todos os países de renda mais elevada dentre os em desenvolvimento. Nesse sentido, é inegável a importância do intervencionismo estatal e da promoção da substituição de importações para os países de baixa renda que ainda precisam iniciar seu processo de transformação estrutural.

Por outro lado, é preciso admitir que, uma vez vencida essa primeira etapa, os países latino-americanos continuaram com uma política de crescimento que já se encontrava, e ainda se encontra, em rápido esgotamento, enquanto as economias asiáticas exportadoras de manufaturados demonstraram flexibilidade e capacidade de adaptação, alcançando impressionantes taxas de crescimento econômico.

Infelizmente, não há uma receita única para o crescimento. Liberalização, privatização e orientação para o exterior são medidas urgentes e imprescindíveis para países como Brasil, Argentina, México, Venezuela, Turquia, Grécia, e outros que já atingiram um nível mínimo de industrialização. Nestes casos, a concorrência e a redução do papel do Estado, criando espaço para que a iniciativa privada lidere uma nova onda de expansão econômica, é o único caminho para evitar a estagnação crônica que afeta países que se recusam a avançar para um novo estágio de crescimento.

Para aqueles que ainda se encontram em um profundo subdesenvolvimento, o modelo intervencionista substituidor de importações ainda é o que oferece melhores perspectivas.


Publicação: Maio de 1988.



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