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O tributarista estratégico e a teoria dos jogos no direito tributário

  • Foto do escritor: Marcos Cintra
    Marcos Cintra
  • 16 de jun.
  • 5 min de leitura

O livro O tributarista estratégico: a teoria dos jogos no direito tributário (Editora Fórum, 2024), de autoria de Bradson Camelo e Cristiano Carvalho, é uma obra voltada especialmente para profissionais da área tributária que buscam não apenas o domínio técnico da legislação, mas, sobretudo, uma atuação estratégica.


Os autores abordam, de forma clara e didática, a transformação da atuação do tributarista, seja ele advogado, economista ou contador. Eles destacam que, no cenário atual, não basta ser um bom conhecedor das normas; é essencial desenvolver uma mentalidade estratégica, capaz de antecipar riscos, identificar oportunidades e propor soluções que gerem valor para os clientes ou para a empresa.


A principal mensagem do livro é como conduzir o leitor do nível operacional ao estratégico, ou seja, uma reflexão sobre como muitos tributaristas ficam presos à rotina operacional (cálculos, declarações, obrigações acessórias) e não conseguem atuar de maneira proativa e consultiva.


O grande mérito do livro é libertar o tributarista da visão convencional, que enxerga a inovação tributária como um mero exercício operacional de incremento exponencial de organização e análise de dados proporcionados pelo mundo digital, mas que não utiliza esse potencial inovador na concepção e design de novos comportamentos e modelos tributários. Os autores nos levam da inovação administrativa, que tem transformado a gestão tributária, para o campo do design tributário, uma área mais ampla e ainda inexplorada pela moderna era digital.


Fica claro que o relacionamento entre contribuintes e a administração tributária não é simplesmente linear ou passivo, mas uma interação contínua de escolhas estratégicas. É aí que a teoria dos jogos entra como uma ferramenta para entender e planejar essas interações.


O contribuinte e o fisco são agentes que tomam decisões considerando não só suas próprias vantagens, mas também as possíveis reações do outro lado. Isso configura um típico jogo estratégico. O tributarista estratégico deve ser capaz de mapear os possíveis desdobramentos de suas escolhas: compensa ou não questionar judicialmente um tributo? Vale mais a pena aderir a um parcelamento ou discutir a tese no Judiciário? O que o fisco provavelmente fará? Como devem agir os administradores públicos para induzir o adimplemento tributário do contribuinte e aumentar a arrecadação?


Em realidade, tributação é, em geral, um jogo. Algumas interações são cooperativas, como negociações em transações tributárias ou programas de conformidade, e outras são não cooperativas, como litígios judiciais, fiscalizações e autuações.


O livro traça inúmeros paralelos com dilemas típicos da teoria dos jogos, como o dilema do prisioneiro, aplicando isso, por exemplo, ao comportamento de empresas que podem escolher entre agir conforme a lei ou assumir riscos de planejamento tributário mais agressivo. A tomada de decisões racionais utiliza a teoria dos jogos como referência para mostrar que o tributarista deve antecipar não só os efeitos legais de sua estratégia, mas também as respostas prováveis do fisco, do Judiciário e até dos próprios clientes ou concorrentes. Os autores reforçam que uma decisão tributária não é apenas uma questão legal, mas também econômica e estratégica, onde se ponderam riscos (autuação, multa, juros) e benefícios (economia tributária, maior competitividade).


Os autores usam a teoria dos jogos para fundamentar que o tributarista de hoje não é um simples aplicador de regras, mas um estrategista que precisa pensar movimentos à frente, considerando a reação dos players do sistema tributário (fisco, clientes, concorrência e Judiciário).


Contudo, embora a aplicação desses jogos clássicos forneça um arcabouço convincente, um engajamento crítico mais profundo poderia questionar em que medida as complexidades do mundo real das interações tributárias se alinham com as premissas simplificadas inerentes a esses modelos. Seria relevante analisar se os exemplos fornecidos pelos autores são suficientemente robustos para sustentar as teses, ou se há uma simplificação excessiva na transposição desses modelos teóricos para a complexidade do mundo real da tributação, e se a obra oferece evidências empíricas ou estudos de caso detalhados que validem suas proposições.


Quem sabe, o aspecto mais inovador do livro é mostrar como os critérios para avaliar um bom sistema tributário enfrentam trade-offs importantes, e que o design de um sistema eficaz vai muito além da mera busca da eficiência econômica (neutralidade e não cumulatividade). O dogma da eficiência é tido hoje como uma exigência imperativa, ignorando que seus pontos positivos precisam ser avaliados em contraposição aos seus efeitos contrários nos demais critérios de avaliação de uma boa tributação.


Um bom sistema tributário é aquele que arrecada bem, de forma justa, simples, estável e com o menor dano possível à economia e à confiança dos cidadãos. Contudo, os três principais e mais abrangentes critérios de avaliação evidenciam, em geral, um angustiante trilema, composto por eficiência (neutralidade e não cumulatividade), equidade (horizontal, vertical e, mais modernamente, regional) e economicidade (simplicidade, universalidade e baixos custos de compliance e administrativos). Vale dizer que o trilema se torna desafiador após o cumprimento do princípio da suficiência, ou seja, após ter sido avaliado positivamente na garantia de arrecadação suficiente e estável para financiar as necessidades do Estado, com base ampla e alíquotas equilibradas.


Aprofundando o viés político do tema, a discussão sobre a universalidade e os baixos custos de compliance e administrativos, especialmente em economias com “baixa tradição tributária” e elevados “tax gaps”, revela-se crucial. A negligência dessas variáveis não é apenas uma falha técnica, mas uma questão política e social que impacta diretamente a justiça fiscal, a distribuição de renda e a capacidade do Estado de financiar políticas públicas, influenciando decisivamente o debate sobre a reforma tributária e a legitimidade do sistema onde a compreensão de teoria dos jogos e da economia comportamental permite aos tributaristas atuarem de forma mais inteligente, eficiente e ética, ampliando a capacidade de agregar valor às organizações e à sociedade como um todo.

Com uma abordagem inovadora, O tributarista estratégico propõe uma reconfiguração do papel tradicional do profissional da área tributária, rompendo com a visão limitada à aplicação mecânica da legislação e abrindo espaço para uma atuação crítica, analítica e propositiva. Em vez de se limitarem a cumprir obrigações, os tributaristas passam a ser agentes transformadores, capazes de influenciar decisões com impacto real na competitividade das empresas e na justiça fiscal.

Ao longo da obra, os autores demonstram que a adoção de modelos estratégicos e comportamentais pode não apenas melhorar o desempenho individual dos profissionais, como também contribuir para o aprimoramento institucional do sistema tributário. A inclusão de conceitos como racionalidade limitada, nudges e vieses cognitivos revela uma visão mais humana e realista dos agentes envolvidos, o que representa um avanço em relação aos modelos tradicionais baseados em racionalidade plena e perfeita informação.

Por fim, O tributarista estratégico se destaca como leitura obrigatória para aqueles que desejam compreender a tributação sob uma nova ótica: mais dinâmica, estratégica, interativa e sensível à complexidade do mundo contemporâneo. A combinação entre teoria dos jogos, economia comportamental e direito tributário oferece ao leitor não apenas ferramentas técnicas, mas também uma nova mentalidade profissional, mais alinhada às exigências do século XXI.

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