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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Dolarização e BC independente

Há duas semanas, propus ao governo que praticasse um ato de coragem: a decretação da independência do Banco Central. Com a desvinculação da autoridade monetária do Tesouro, e supondo-se que a diretoria do Banco Central tivesse competência e disposição para defender o valor do padrão monetário nacional, estariam criados os meios para acabar com o financiamento inflacionário do déficit público. Seria a inauguração de um novo regime fiscal e monetário, transparente para toda a sociedade.


O Plano Cavallo na Argentina é uma boa razão para voltar ao tema. A proposta de livre convertibilidade do austral é outra forma de se obter o mesmo resultado. Só que independe da confiança depositada no governo e na autoridade monetária interna. Depende apenas da credibilidade, que já existe, do dólar, e da confiança no governo dos EUA para administrar sua própria moeda. A "dolarização" (embora não seja exatamente isso que se pretende na Argentina) é um atalho que permite a imediata obtenção da desejada credibilidade. A independência do Banco Central poderia obter o mesmo resultado, mas apenas ao final de um processo que pode ser longo.


Ao garantir o lastro em divisas e ouro da moeda argentina, o Plano Cavallo assume um risco de proporções gigantescas. Terá capacidade para bancar uma corrida por dólares? Terá condições para gerar superávits fiscais e, assim, defender a taxa de câmbio fixada? Se a resposta for negativa, a hiperinflação voltará, e o país terá perdido preciosas reservas. A convertibilidade é um truque arriscado. Para que não seja um blefe, é necessário um estoque de reservas capaz de garantir a conversão de mais do que o passivo não oneroso do Banco Central, como faz o Plano Cavallo; além da base monetária, seria essencial também poder bancar pelo menos o passivo oneroso, além dos títulos públicos em circulação.


Esta observação deve ser suficiente para mostrar a absoluta inviabilidade de algo semelhante no Brasil. Na Argentina, as chances de sucesso são maiores. Vamos nos precaver contra o efeito Orloff. Um Banco Central independente e bem administrado terá a mesma eficácia que a livre convertibilidade. Por ser um processo mais longo, terá também maior solidez, além de um impacto educativo importante para acabar com a cultura inflacionária.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE AL-BUQUERQUE, 44 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor de economia da Folha.

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