A guerra fiscal contaminou os municípios brasileiros. Anteriormente, a competição entre as unidades da federação pelos investimentos das empresas se limitava aos estados. O ICMS foi criado como um tributo estadual (esse foi um dos maiores erros da reforma tributária de 1967), dando origem a uma corrida predatória entre eles, que passaram a oferecer redutores, incentivos, deferimentos, subsídios e outras formas de privilégios fiscais.
Esse conflito se espalhou pelas esferas municipais do país. Municípios começaram a oferecer incentivos fiscais, financeiros e de infraestrutura na tentativa de alterar artificialmente os parâmetros de mercado e influenciar a decisão de investimento das empresas.
A concorrência fiscal não é necessariamente ruim. Pode ser um elemento importante para a redução de custos e a busca de maior eficiência na máquina pública. A concorrência entre estados ou municípios pelos escassos recursos dos investidores poderia favorecer as unidades federativas capazes de oferecer melhores condições para o funcionamento das empresas, estimulando a competitividade nacional como um todo, reduzindo custos e expandindo mercados.
No entanto, essa opção precisa ser conscientemente adotada, com regras claramente conhecidas por todos. Isso não é o que acontece no Brasil. A guerra fiscal é um desvio da intenção do legislador e favorece os administradores públicos que burlam a lei e adotam interpretações distorcidas e, às vezes, inescrupulosas da legislação em vigor.
No caso da guerra fiscal entre municípios, o campo de batalha se encontra no ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza).
Hoje, municípios em três tipos de situações reivindicam a arrecadação do ISS. Em primeiro lugar, os municípios onde ocorre a produção dos serviços prestados; em segundo, os municípios onde os serviços produzidos são disponibilizados ao tomador dos mesmos; e a guerra fiscal produziu um terceiro tipo de município, que reivindica a receita do ISS por abrigar as sedes administrativas das empresas prestadoras dos serviços, mesmo que nelas não estejam localizados, de fato, nem o estabelecimento produtor nem o estabelecimento consumidor.
Conceitualmente, há justificativas para que tanto os municípios produtores quanto os municípios consumidores busquem arrecadar o ISS. Um oferece infraestrutura e meios para a produção dos serviços, o outro paga por eles. O mais justo seria que pudessem compartilhar dessa receita, o que, infelizmente, é inviável devido à complexidade desse procedimento.
No entanto, nada justifica que, com a guerra fiscal, surja um terceiro município, que não é afetado pela produção nem pelos gastos do consumo e que desvie para si toda a arrecadação. A guerra fiscal do ISS cria a figura de um "município-corsário" que absorve a contrapartida tributária da produção e do consumo sem contribuir para isso.
A origem do conflito está nas diferentes interpretações dadas ao termo "estabelecimento prestador" dos serviços sujeitos à cobrança do ISS, expresso no Decreto Lei 406 de 1968.
Antes disso, apesar de o tributo estar nas Constituições de 1946 e 1967 e no Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), a lista de serviços tributados continha apenas três itens. Com o Decreto 406/68, a lista foi ampliada para 29 serviços, e houve uma primeira tentativa de disciplinar e definir as normas gerais de funcionamento do ISS.
O Decreto 406/68 estabelecia que o "local da prestação do serviço" (e, portanto, o município com direito de tributar a operação) era "o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador". Logo em seguida, houve a primeira exceção, aplicada no caso da construção civil, onde o tributo era devido no "local onde se efetuava a prestação".
O ISS sofreu modificações e ampliação em sua lista de serviços por meio do Decreto Lei 834/69, da Lei Complementar 56/87, da Emenda 1/69 e da Lei Complementar 100/99, passando pela Constituição de 1988.
No entanto, a Lei Complementar 116/03 atualizou efetivamente a legislação e a regulamentação do ISS. Ampliou a lista de serviços para 193 itens e adicionou 20 novos tipos de serviços que, como a construção civil, passaram a ser tributados no local da prestação dos serviços, ou seja, no local do tomador dos serviços.
A guerra fiscal do ISS já havia surgido anteriormente, com a interpretação de que o termo "estabelecimento prestador" dos serviços significava a sede, matriz ou escritório central da empresa prestadora de serviços. Vários municípios passaram a oferecer alíquotas reduzidas ou redução da base de cálculo para empresas que se "instalassem" em seus territórios, mesmo que o "estabelecimento prestador" estivesse em outros municípios onde os serviços eram efetivamente disponibilizados.
Isso levou a duas situações. A primeira envolve alíquotas efetivas abaixo de 2%, o que é inquestionavelmente ilegal, pois viola a Constituição. Mesmo que o "estabelecimento prestador" esteja efetivamente no município, ele não pode tributar abaixo de 2%.
A segunda situação envolve empresas que se estabelecem apenas "no papel" em paraísos fiscais, mantendo apenas uma sede de fachada, caixa postal ou endereço formal, sem possuir um "estabelecimento prestador" de serviços real no local. Isso configura fraude evidente, escorada em uma interpretação equivocada da lei.
A Lei Complementar 116/03 tentou esclarecer o que é um "estabelecimento prestador" de serviços. Os artigos 3º e 4º da lei são esclarecedores:
Art. 3º: O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador...
Art. 4º: Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.
Apesar desses esclarecimentos na Lei Complementar 116/03, a guerra fiscal continuou. Foi nesse contexto que surgiu a Lei 14.042/05 na cidade de São Paulo.
Essa lei passou a exigir que prestadores de serviços que emitissem notas fiscais autorizadas por outros municípios se cadastrassem e comprovassem que seu "estabelecimento prestador" estava efetivamente fora de São Paulo. Caso a comprovação não fosse satisfatória, o tomador de serviços se tornava responsável pela retenção na fonte do ISS e pelo seu recolhimento aos cofres paulistanos.
Essa lei tem sido questionada na Justiça, mas, independentemente do resultado final, todos sairão perdendo.
As empresas cujo cadastramento em São Paulo não seja autorizado sofrerão retenção do ISS na fonte. No entanto, o problema é que poderão ser cobradas novamente no município onde supostamente estejam formalmente instaladas. Além disso, os municípios ficarão inseguros quanto ao recolhimento do ISS, pois o método de determinar o local efetivo do estabelecimento é arbitrário e pode ser usado para captar o máximo de ISS para o município que faz a exigência de cadastramento. Isso levará a retaliações de outros municípios, que passarão a fazer as mesmas exigências. O Judiciário enfrentará um grande número de ações, e é provável que os empresários acabem depositando o ISS em juízo até que a questão do destino do tributo seja resolvida.
Em resumo, da forma como a situação do ISS está delineada, os conflitos em breve se tornarão um dos maiores focos de contenciosos tributários do país, com prejuízos evidentes para todos. É um jogo de soma nitidamente negativa a longo prazo, mesmo para aqueles municípios que atualmente se beneficiam.
A solução para o problema seria seguir a tendência em direção ao princípio do destino, ou seja, considerar que o imposto é devido no local do estabelecimento do tomador do serviço (ou seja, no consumidor).
Inicialmente, isso foi aplicado à construção civil (Decreto 406/68) e depois a outros setores (Lei Complementar 100/99 e Lei Complementar 116/03). Uma interpretação correta da legislação do ISS implicaria entender que o "estabelecimento prestador" é o local onde o serviço é executado e disponibilizado ao cliente final. Nesse caso, na maioria das vezes, o local do "estabelecimento do prestador" coincidiria com o do "estabelecimento do tomador". Mesmo que a sede administrativa ou o endereço formal de uma empresa de serviços esteja em outro município, o ISS deveria ser recolhido no município onde a atividade produtora e consumidora dos serviços ocorre.
Essa solução simplificaria a legislação, automatizaria e uniformizaria os procedimentos de recolhimento do tributo e eliminaria a presença dos municípios que praticam a guerra fiscal. Também criaria uma situação de maior justiça social, onde o município produtor se beneficiaria da renda e dos empregos gerados pela prestação dos serviços, enquanto o município consumidor ficaria com a receita tributária.
Além disso, permitiria eliminar o piso de 2% na alíquota do ISS, pois os municípios poderiam implantar políticas de baixa tributação sem induzir a migração maciça de empresas em busca de reduções tributárias. No geral, essa proposta promoveria uma competição tributária saudável em vez da guerra fiscal predatória existente no país.
No entanto, ainda persistem desafios, como a tributação de serviços prestados de forma virtual, como internet, serviços de informática e produtos virtuais. Estes podem ser considerados exceções, com tributação no "estabelecimento prestador" dos serviços.
Em resumo, a solução proposta busca simplificar e modernizar a tributação do ISS, seguindo a tendência do princípio do destino e reduzindo os conflitos da guerra fiscal, embora ainda haja desafios a serem enfrentados, especialmente em setores de serviços altamente digitais e virtuais. IVES GANDRA MARTINS
MARCOS CINTRA