Logo que assumiu o Ministério da Fazenda, Henrique Meirelles afirmou que a prioridade é reduzir gastos para enfrentar o rombo das contas públicas. Porém, não descartou a possibilidade de aumentar tributos e citou como alternativas a CPMF e a Cide sobre os combustíveis.
O ideal seria fazer um ajuste nas contas públicas apenas reduzindo despesas, mas há pouco espaço nesse sentido porque o governo controla só 10% do que arrecada. O resto refere-se a gastos exigidos por lei. Mesmo na fatia de despesa que poderia ser reduzida, há pressão de segmentos da sociedade contra essa prática. Todos apoiam corte de gastos, dos outros. É improvável que o ajuste das contas públicas seja feito apenas reduzindo despesa. O déficit da União é estimado em mais de R$ 170 bilhões este ano, um recorde.
O jeito será aumentar tributos e o remédio com menor efeito colateral deve vir da recriação da CPMF. É preferível que ela tenha uma alíquota até superior a 0,2% como foi proposto frente à possibilidade de deixá-la de lado e outros impostos tenham suas já elevadas alíquotas majoradas. A título de comparação e levando em consideração apenas os dois tributos citados por Meirelles, se metade do rombo deste ano tivesse que ser financiado pela CPMF, sua alíquota deveria ser de 0,39%. Já se fosse usada a Cide, o litro da gasolina teria que saltar para mais de R$ 5,50.
A possível recriação da CPMF reacende uma série de críticas contra esse tipo de tributação. Muitos aspectos voltaram a ser levantados como se ela fosse o grande mal que pode surgir do processo de ajuste fiscal em discussão. A CPMF é o tributo que menos prejudica a sociedade. Seus críticos têm estudos que possam mostrar o contrário?
Um dos pontos que os críticos mais repetem é que a CPMF é um tributo injusto porque é regressivo. Ou seja, que ele penaliza duramente os mais pobres. Isso é falso e foi avaliado em alguns trabalhos que eles insistem em ignorar. Produzi uma simulação quando a CPMF vigorava para aferir a tão alegada regressividade. Utilizando quatro faixas mensais de renda familiar, apurei que essa crítica não é pertinente. Na menor faixa de rendimento (R$ 454,69), a CPMF (direta e indireta) representava 1,64% da renda; na segunda (R$ 1.215,33), 1,58%; na terceira (R$ 2.450,05), 1,51%; e na quarta (R$ 8.721,92), 1,41%. A ex-deputada federal Maria da Conceição Tavares concluiu que a CPMF recai fundamentalmente sobre o segmento de maior renda. Segundo ela, é falso o argumento de que o imposto pune basicamente os mais pobres, uma vez que, em seus exercícios, constatou-se que as alíquotas médias efetivas são maiores para os mais ricos.
Conclusões semelhantes foram publicadas por Nelson Leitão Paes e Mirta Noemi Sataka Bugarin no estudo Parâmetros Tributários da Economia Brasileira, publicado na Revista de Estudos Econômicos-FEA-USP (out-dez/2006). Os autores apuraram que a CPMF onerava o orçamento das famílias em geral em 1,3%, isto é, ele é uniforme em qualquer faixa de renda, não é regressivo.
Convém aos críticos da CPMF que entrem nesse debate e defendam suas teses com base em avaliações técnicas. Não dá para discutir uma questão tão essencial para o país com base em mitos e em teses que não se sustentam.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. Atualmente, é Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.