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Marcos Cintra - O Estado de S. Paulo

O imposto perpétuo

"Enquanto o pau sobe e desce, o lombo descansa." A sabedoria popular retrata bem a situação em que se encontra o contribuinte. De nada adiantam os protestos em praça pública contra a permanente derrama em que se transformaram as relações entre o Fisco e os cidadãos. Pensando no Estado e não no cidadão, Executivo e Legislativo, compelidos pelos governadores de Estado, procuram maneiras de reforçar o Tesouro. O triste é que a ideia fixa com a derrama, não com a diminuição do tamanho do Estado, também se apoderou dos que sempre defenderam os cidadãos, dos que se dizem modernos, quando não liberais, e terminam por fazer a defesa do Moloch.


Preparem os contribuintes os ungüentos para aliviar as dores das feridas que a nova derrama lhes vai provocar no bolso. O que todos temiam acontecerá sob o manto da reconstrução do Estado, da recuperação das finanças públicas e da necessidade de conseguir o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O imposto sobre transações bancárias, inicialmente pensado como substituto de todos os outros, acabou se transformando num imposto a mais, vendido aos inocentes como devendo só ser cobrado em 1992. Quando se criou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), também ele era temporário. Hoje, a União dele não pode abrir mão, tamanha sua participação na receita de um Estado que descarrega sobre o contribuinte a sua ineficiência.


O novo imposto será pago por pobres e ricos, empregados e empregadores, empresas transnacionais e microempresas. Cada vez que se emitir um cheque ou se fizer uma ordem de pagamento, o Fisco ganha sem trabalhar. Nos clássicos do Direito Penal, isso tinha nome certo. Delicadamente, preferimos chamar a operação de derrama sem fim. Atrasado em quase tudo diante do mundo moderno, o Executivo descobriu o imposto perpétuo.


Anos atrás, outro governo, acusado violentamente pelo atual presidente, acuado (acuado porque acusado por CPI e pela opinião pública) sob a grita de não cuidar dos dinheiros públicos, foi culpado de ter usado de maneira cavilosa a frase mística de São Francisco: "do ut des," que se traduziu por "é dando que se recebe". A grita e o escândalo foram gerais. Agora, tudo gira em torno do dar para receber e as palavras são melífluas. As intenções, honestas. Os propósitos, patrióticos. Os governadores querem receber a dádiva de rolar suas dívidas com a União para poder ter algum dinheiro em caixa no ano de 1992, o das eleições municipais. Os prefeitos não querem perder nada de sua participação nos impostos, num ano eleitoral também. O governo quer receber, do Congresso, a reforma tributária de emergência, a fim de diminuir o déficit público e poder cumprir as metas convencionadas com o FMI. Alguém tem de dar nesse jogo: descobriu-se o contribuinte. Premido pelos governadores (os prefeitos podem esperar pela emenda constitucional, que só será votada, se o for, no próximo ano), o Executivo federal estuda com lideranças do PMDB a criação de um fundo especial para permitir alívio aos governadores. Esse fundo, apoiado na infeliz sugestão de parlamentares que integram o bloco chamado BEM (Bloco da Economia Moderna), será constituído por 0,1% a ser cobrado de cada cheque, ordem de pagamento, coisa que o valha que possa ser definida como transação bancária. Será cobrado provisoriamente, assim, o PMDB, o BEM e o outro bloco, dito moderno e centrista, aquele que ao constituir-se fez saber que seria conveniente o governo ser de coalizão, aprovarão com a consciência tranquila a reforma tributária (mais o complemento do imposto perpetuamente provisório).


Só os loucos são favoráveis à ruína financeira do Estado num momento de crise econômica. Só os que vivem fora da realidade, no entanto, podem consentir em que o Estado, sem fazer grandes esforços para diminuir seu tamanho, esborrache a sociedade, pobres e ricos, a pretexto de resolver de uma vez por todas situações que até mesmo o atual governo, o do presidente Collor de Mello, agravou. Ou pretendem os inspirados e doutos economistas que estudam esse projeto doido (para alegria dos meliantes) que os trabalhadores exijam que seus salários sejam pagos em moeda corrente do país (e não depositados em conta corrente) para não ter de deixar mais dinheiro nas mãos de burocratas que compram bicicletas e guarda-chuvas. Ou estão respondendo a inquéritos administrativos porque não cuidaram bem dos dinheiros destinados à assistência social? Ou preferem os burocratas, deputados, técnicos e economistas que estudam o lançamento do imposto perpétuo provisório que suas esposas façam compras sem talões de cheque, pagando tudo à vista e cash para alegria dos "trombadões"? Ou os burocratas do Tesouro preferem que os cheques emitidos jamais sejam descontados, circulando, enquanto der, com o último cidadão da cadeia da felicidade recebendo-o com deságio?


A representação popular, neste país (como em outros), está lentamente usurpando o poder soberano que reside, e só pode residir, no povo, no contribuinte. A reação popular contra a carga tributária não pode voltar-se apenas contra essas novas d. Marias Primeiras, as Loucas, que lançam a derrama e querem enforcar Tiradentes. Deve dirigir-se, igualmente, contra a usurpação da soberania, processo pelo qual os representantes tratam os cidadãos como se fossem servos da gleba da qual eles se julgam senhores de baralho e cutelo.

 

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