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  • Marcos Cintra

O vezo do estadismo

O Brasil ainda não conseguiu se livrar de um antigo vício adquirido ao longo de sua formação histórica. Trata-se do vezo do estadismo, da crença na onipotência do Estado. Em todas as situações de crise, recorre-se ao governo para solucioná-las. Este, por sua vez, alimenta essa ilusão apresentando propostas, planos e programas supostamente capazes de superar os obstáculos. O mais incrível é que, normalmente, a intervenção pública na esfera privada agrava os problemas que se tenta resolver. Mesmo assim, o país continua buscando ajuda do governo em momentos de dificuldade. Uma vez que muitas distorções que evoluem para crises têm origem no próprio setor público, o processo intervencionista se aprofunda, atolado em graves contradições.


Não há exemplo mais eloquente desse ciclo perverso do que a política habitacional brasileira. Totalmente centralizada no Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o governo criou uma estrutura monumental de administração, controle, financiamento, fiscalização e construção que praticamente expulsou o setor privado. Este passou a atuar apenas como executor ou empreiteiro, totalmente dependente da iniciativa pública. Capitais privados foram excluídos do mercado popular, construtores perderam os incentivos para assumir riscos e mecanismos de financiamento privado deixaram de existir. As exigências urbanísticas tornaram-se mais rigorosas e elitizadas, resultando em um déficit habitacional de mais de dez milhões de unidades, um rombo financeiro calculado entre 5% e 10% do PIB e cem mil invasores de terrenos públicos e privados apenas na zona leste de São Paulo.


No pronunciamento perante a bancada do PMDB no Congresso na quinta-feira passada, o ministro Funaro anunciou que o governo construirá 250 mil casas populares, apenas 2,5% do que seria necessário para eliminar o déficit nacional e cerca de um quarto do crescimento vegetativo anual da demanda habitacional. Prometeu também linhas de crédito para empresas produtoras de materiais de construção e subsídios para a população de baixa renda.


Não há objeções aos planos do governo. É dever do Estado fornecer condições mínimas de moradia para os mais carentes, mesmo que isso envolva subsídios. Além disso, é louvável se os projetos de construção popular estiverem alinhados com uma estratégia anti-recessiva e de sustentação do emprego. No entanto, ninguém deve se iludir quanto à persistência, se não ao agravamento, das carências habitacionais no Brasil.


Na questão da moradia popular, assim como em muitas outras, a primeira providência deveria ser a retirada do setor público, abrindo novas oportunidades de investimento para o setor privado. O Estado deve concentrar seus esforços apenas nos casos de interesse social reconhecido, enquanto estimula o capital privado através da desburocratização do excessivo aparato regulatório da legislação urbanística atual.


Os invasores da zona leste querem terra para morar, o que seria fácil de alcançar se a comercialização de lotes urbanos não fosse obstaculizada por exigências descabidas que apenas encarecem o processo. Altas taxas de juros, juntamente com a demora na aprovação de projetos de loteamentos (que levam de doze a quinze meses), tornam inviável financeiramente um projeto imobiliário popular.


Na habitação popular, assim como em muitas outras atividades econômicas, é essencial desregulamentar. Devem ser criadas condições para que os proprietários possam oferecer suas áreas no mercado sem demora. Isso, a médio prazo, reduzirá os preços e, nesse ponto, as invasões se tornarão exclusivamente um caso de polícia.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do Departamento de Economia da FGV-SP e consultor econômico desta Folha.

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