Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque
O setor estatal é o nó górdio da atual conjuntura econômica brasileira. Qualquer programa de estabilização, para obter sucesso, terá de ir além de esforços paliativos de contenção de gastos governamentais, pois, através do aparo de algumas poucas arestas, se estará apenas perpetuando o problema.
A presença do Estado na economia brasileira tem uma história de sucessos. Foi através da atuação pública que se criaram as condições para a industrialização do país. Durante a década de setenta, o setor estatal foi o grande indutor do desenvolvimento, seja pelos investimentos em infraestrutura, seja pela substituição de importações de insumos básicos.
Hoje, porém, o papel do Estado precisa ser reorientado para um outro tipo de atuação, mais convencional. O setor produtivo estatal está hipertrofiado em relação às atividades típicas de governo. Nota-se claramente que ele alcança, no momento, uma dimensão de concorrente do setor privado; melhor dizendo, a intervenção pública gerou o fortalecimento dos capitais privados de sorte que, hoje, a maioria das áreas em que o Estado atua empresarialmente poderia ser adequadamente explorada pela iniciativa particular. Nada mais natural, portanto, que o governo se retraia destas atividades, pois já teria cumprido seu papel de catalisar o processo de desenvolvimento industrial.
Esta mudança é ainda mais urgente ao se considerar que o Estado já não possui os meios de financiar sua expansão no setor produtivo. Por outro lado, a situação calamitosa em que se encontra a infraestrutura de atendimento aos serviços básicos, como saúde, educação, saneamento, habitação etc., demonstra de forma cabal a necessidade de concentrar recursos em investimentos sociais.
O setor privado dispõe de excedentes de capital. Um amplo processo de privatização das atividades hoje desenvolvidas pelo Estado abriria um novo canal de investimentos para o empresariado, ao mesmo tempo em que aumentaria o espaço para o governo atuar nas áreas sociais, que, hoje, representam o maior ponto de estrangulamento da economia brasileira.
A retração da presença estatal nas atividades produtivas é a única forma viável de lidar com o problema do déficit público. Ao mesmo tempo em que se estaria transferindo atividades para o modelo de gestão privada, nitidamente mais eficiente do ponto de vista econômico, se estaria também extirpando a fonte mais importante dos desequilíbrios orçamentários do governo.
A necessidade de privatizar a economia brasileira nada tem a ver com o tamanho do Estado. No Brasil, cerca de 15% da população economicamente ativa está no setor público; na Inglaterra, são cerca de 50%, e na Espanha, apenas 8%. Mas, em todos estes casos, a privatização se justifica por uma imprescindível busca de eficiência, por esforços de combate à inflação e, no caso brasileiro, pela criação de um Estado mais atuante no atendimento aos serviços básicos de que carece a população.
Controlar o déficit público sem um profundo corte no espaço ocupado pelo Estado é pura ilusão. Mesmo que relativamente pequena no conjunto da economia, a participação estatal gera déficits crônicos que podem atingir facilmente 10% do PIB. Esforços para mantê-los nos limites de 5% ou 6% são impulsos passageiros, que logo se tornam inócuos face à ineficiência estrutural do Estado como produtor de bens e serviços de mercado.
Neste sentido, é desanimador analisar o Programa de Privatização do governo. A ação desestatizante se restringe a empresas periféricas e sem qualquer importância no conjunto do setor estatal. São firmas falidas que passaram aos bancos oficiais, centrais de abastecimento, hospitais, hotéis e algumas siderúrgicas sem grande significação. O governo quer fazer omelete sem quebrar ovos; quer combater um enorme déficit potencial atuando na margem do setor produtivo estatal. Falta a coragem e a determinação dos outros países que privatizaram grandes monopólios estatais, como na Inglaterra, o que equivaleria, no Brasil, a um programa que abrangesse algumas das oito "holdings" do governo, onde efetivamente reside o problema. Sem isso, o déficit público persistirá elevado, e a inflação não será debelada. Tudo o mais é apenas uma espessa cortina de fumaça.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Folha.