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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Teste para um segundo choque

No turbilhão de críticas às medidas do último pacote, pouca atenção foi dada a um de seus importantes aspectos – a desindexação da economia.

Se, nos últimos meses, ouve um consenso entre economistas, foi certamente no tocante à avaliação dos efeitos da indexação nos índices inflacionários. Mesmo os que agora pregam a reindexação, se limitam a preconizar sua restauração apenas nos fluxos financeiros, e não nos preços, como ocorria antigamente.

O último pacote caminhou no sentido de remover alguns remanescentes dos mecanismos de indexação que o choque de fevereiro não havia eliminado. A correção das OTN, do FGTS, do PIS-Pasep e das cadernetas de poupança acompanhará o rendimento das LBC. Quanto aos salários, usou-se um boticão ainda mais forte para extrair os efeitos da indexação. O índice para a correção salarial passou a refletir apenas produtos essenciais consumidos pelas famílias de baixa renda; e o índice será expurgado, com a eliminação dos efeitos dos impostos indiretos e de fatores acidentais. Além disso, somente 60% de seu valor será automaticamente repassado aos salários, descontando-se , ademais, reajustes concedidos por conta da escala móvel.

Ao contrário do que muitos imaginam, essas medidas não significam a destruição de termômetros econômicos, para mascarar a doença, mas sim uma exigência de assepsia para evitar contaminações. Nada impede, aliás, que todos os indicadores continuem a existir – mesmo o IPCA do IBGE – e que sejam usados como orientação aos agentes econômicos.

O prosseguimento de desindexação é forte condicionante da economia, a curto prazo. As autoridades estão cientes dos impactos negativos que as providencias adotadas terão no congelamento e, consequentemente, no custo de vida. Para evitar a retomada da espiral inflacionária, é preciso de que as alterações nos preços sejam absorvidas pelo sistema econômico como redistribuições definitivas de renda necessárias para compensar as enormes distorções causadas pelo Cruzado. Esta é a lógica das medias. Se permitisse que os novos preços fossem transmitidos ao restante da economia via indexação, se estaria frustrando os reajustes distributivos que precisam ser efetuados.

Com o fim da indexação, o impacto inflacionário imediato causado pela inflação corretiva tenderá a se diluir. É uma estratégia correta; contudo, há risco de que o sistema, ainda que informalmente, se reindexe. E aí estão as maiores dificuldades.

Ao tentar impor um choque fiscal de grande magnitude – para permitir algum alivio nas contas do setor público e um significativa redução da demanda – , as autoridades geram uma inflação corretiva excessivamente elevada, o que naturalmente fará com que surjam fortes pressões para a reindexação.

As altas taxas de inflação de novembro e dezembro refletirão as elevações de preços decretadas. O grande teste dessa política de desindexação estará, assim, nos resultados de janeiro. Há razoes para suspeitar, contudo, que o governo tenha errado na dosagem, inviabilizando sua própria estratégia. Se, por outro lado, o teste revelar resultados positivos, estará aberto o caminho para novas correções de preços relativos e até mesmo para um segundo choque heterodoxo.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade de Harvard, professor titular da Fundação Getulio Vargas/SP e Consultor de Economia desta Folha.


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