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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Conflito na gestão estatal

Em uma recente entrevista concedida ao jornal "O Estado de São Paulo", o presidente da Petrobrás, Osires Silva, fez uma curiosa distinção entre privatização e livre iniciativa. Segundo ele, o país precisa menos de privatização e mais de livre iniciativa. Disse ainda que o discurso a favor da privatização está "fora de época".


Sem levar em conta que, ao contrário do que afirmou o presidente da maior estatal brasileira, nunca se discutiu tanto os méritos da privatização como agora, o fato é que não há como distinguir os dois conceitos que Osires Silva tenta diferenciar. O que ele pretendia, provavelmente, era mostrar que uma empresa pode ser gerida com métodos empresariais modernos, capazes de gerar lucros aceitáveis, ao mesmo tempo em que o Estado seja seu acionista majoritário. Neste ponto, existem divergências.


A experiência do presidente da Petrobrás na Embraer, onde aliás se notabilizou como um extraordinário administrador, não deve induzi-lo a erro. A indústria aeronáutica brasileira é um nicho totalmente atípico dentro do universo das empresas estatais. Trata-se de um setor totalmente protegido do apetite dos políticos, talvez por ser uma área considerada de interesse militar, o que de certa forma o isolou das pressões e da ineficiência (sob o ângulo privado) que assola a maior parte das empresas públicas do setor produtivo.


É impossível a dissociação entre a propriedade estatal e critérios de comportamento gerencial típicos do Estado, que por isso mesmo fogem dos padrões de eficiência da propriedade privada. A administração estatal está sujeita a padrões de comportamento que não colocam a rentabilidade econômica no topo da escala, sujeitando-a a considerações de ordem social, política e até mesmo pessoal por parte da burocracia dominante.


Imaginar que seja possível afastar os interesses dos controladores acionistas de uma empresa (no caso, o Estado) do comportamento empresarial de sua administração (normalmente composta por pessoas nomeadas por critérios políticos) é ignorar uma realidade claramente visível.


Mesmo admitindo-se que não existam pressões políticas no mau sentido, e que o administrador público seja possuído das melhores intenções, é forçoso reconhecer que seus critérios de avaliação são, como de fato devem ser, diferentes daqueles que balizam uma empresa privada.


Assim, naqueles setores considerados típicos da atuação estatal, como monopólios naturais ou serviços de uso coletivo, por exemplo, um administrador imbuido dos valores próprios de empresários estaria tão deslocado e seria tão "ineficiente" quanto um executivo público numa empresa privada.


As interferências políticas de que Osires Silva reclama ao se referir à sua gestão na Petrobrás são apenas a regra no setor público em qualquer lugar do mundo. Sistemas de fixação de preço que ignoram a necessidade de gerar lucros, empecilhos à contratação e demissão de pessoal, e outras interferências que Osires Silva acha insuportáveis, são apenas tipos de comportamento que não seriam necessariamente criticáveis se praticados em atividades típicas de governo, como, por exemplo, nas áreas da Justiça, segurança e educação. O que está errado é que atividades econômicas tipicamente privadas sejam geridas pelo Estado.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, Doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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