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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Cepal versus tigres asiáticos (1/4)

O "Monitor" de hoje e das próximas três semanas foram extraídos de um "paper" que apresentei no 2º Encontro de Lisboa, realizado nos dias 7 e 8 de maio. Patrocinado pelo Partido Social Democrata português e pela Fundação Friedrich Naumann, o segundo "Lisboa Meeting" teve a participação de líderes políticos liberais de mais de 30 países, inclusive do primeiro-ministro Cavaco Silva, de Portugal, e do ministro da Economia da Alemanha, Martin Bangemann. O principal objetivo dessas reuniões é discutir a cooperação econômica internacional e, particularmente, o desenvolvimento econômico nos países do Terceiro Mundo. O texto que se segue é parte de uma tentativa de avaliar o "modelo da Cepal" versus o "modelo asiático", ou seja, a substituição de importações versus exportações, o mercado interno versus o externo, o intervencionismo estatal versus a liberalização de economia.


Falar sobre países em desenvolvimento no mundo de hoje implica generalizações nem sempre justificáveis. Este exercício é dificultado pelas enormes variações observadas nos critérios usualmente aceitos como indicadores de progresso econômico.


China e Índia, os dois maiores contingentes populacionais do mundo, tiveram em 1985 uma renda per capita anual de US$ 290; a Etiópia não conseguiu ultrapassar US$ 110. Numa posição intermediária situam-se países como o Peru (US$ 1.285), Colômbia (US$ 1.320) e Síria (US$ 1.560), seguidos num intervalo superior de Brasil (US$ 1.640), Malásia (US$ 1.288), Portugal (US$ 1.970), Venezuela (US$ 3.080) e Grécia (US$ 3.550). Finalmente, no topo da pirâmide das nações em desenvolvimento situam-se Israel (US$ 4.990), Hong Kong (US$ 6.230) e Cingapura (US$ 7.420), não se incluindo os exportadores de petróleo de alta renda.


Tamanha disparidade em suas rendas per capita, que atingem proporções de 70 para 1 (Cingapura é Etiópia), mostra-se ainda mais intensa que a proporção entre o PIB de países em desenvolvimento de renda média, cerca de US$ 1.300, e o da média das economias industriais de mercado, US$ 11.810. Mesmo tomando-se o caso dos EUA, cuja renda per capita foi, ainda em 1985, de US$ 16.690, a relação frente à média dos países em desenvolvimento não atinge 13 para 1.


Tais discrepâncias entre países em desenvolvimento tornam-se ainda mais graves quando são levados em consideração indicadores de distribuição de renda. As disparidades de renda per capita transformam-se em brutais diferenças no bem-estar da população, quando considerado que entre os países em desenvolvimento os 10% mais ricos da população têm sempre uma participação na renda superior a 30%, ao passo que a participação dos 20% mais pobres não supera 7% dos rendimentos. A renda dos 20% mais ricos frequentemente é seis ou sete vezes maior do que a dos 20% mais pobres, atingindo extremos como no Brasil e Costa do Marfim, onde este indicador de desigualdade chega próximo de 30 (33 e 25, respectivamente). A título de comparação, entre as economias industriais de mercado, o maior valor obtido, segundo os dados do Banco Mundial, foi 8,7, verificado na Austrália e na Nova Zelândia. Nos EUA atinge 7,5, na Suécia 5,6 e no Japão e Holanda 4,3. Das discrepâncias de renda, agravadas com as disparidades distributivas, resultam enormes variações nos indicadores sociais. Na escala inferior dos países em desenvolvimento a expectativa de vida é de cerca de 50 anos (Butão 44, Etiópia 45, Paquistão e Bangladesh 51), ao passo que no intervalo superior, vários países superam 70 anos, índice semelhante ao das economias industriais de mercado, de 76 anos em média (Brasil 65, México 67, Argentina 70, Uruguai 72 e Portugal 74). Nos países mais pobres o número de matrículas na educação secundária é de 32% do grupo etário apropriado (Etiópia 12%, Birmânia 24%, Índia 34% e Zaire 57%); nos países em desenvolvimento de renda média chega a 56% em média (Brasil 35%, Portugal 47%, México 55%, Grécia 82%). Nas economias industriais de mercado este índice atinge 90%. O consumo de energia per capita equivalente em quilos de carvão por ano é de 692 kg no Equador e de 3.029 kg na Venezuela. Apenas 50% da população mexicana dispõem de água encanada, enquanto que no Uruguai chegam a 81%.


Em resumo, as disparidades são tantas entre os países subdesenvolvidos que torna-se difícil abordar o problema do crescimento e do desenvolvimento econômico de modo uniforme. Existem ainda as diferenças geográficas, culturais e a própria evolução histórica de cada sociedade.


Como analisar conjuntamente a América Latina, onde vários países tinham em 1960 uma renda per capita superior à do Japão e de vários países europeus, com países da África que nunca superaram a mais estrita miséria? A Argentina teve nas primeiras décadas deste século uma renda per capita equivalente à da França. Hoje é inferior à da Espanha e da Grécia e equivalente à da Coréia.


Em 1960, Uruguai e Venezuela superaram a Itália, a Espanha e o Japão em suas rendas per capita; a da Argentina era três vezes maior do que a da Coréia, e a do Chile era próxima à da Espanha e superior à de Portugal e Grécia. Mas em 1985, as maiores rendas per capita da América Latina não atingiam US$ 2.800, enquanto que a da Coréia saltou para US$ 2.648, a do Japão para US$ 7.130, a da Itália para US$ 4.808, a da Espanha para US$ 4.336, a da Cingapura para US$ 5.000 e a de Formosa para US$ 3.160.


Notam-se, portanto, descontinuidades profundas na evolução econômica dos países em desenvolvimento. A tendência à estagnação de vários países como é o caso de algumas nações africanas da Ásia e da América Latina - contrasta com a meteórica explosão de crescimento verificado no Japão e em outros países da Ásia como Cingapura, Coréia, Taiwan e Hong Kong. No meio, encontram-se os casos latino-americanos de economias que mostraram dinamismo até o final da década de 60, mas que, com a possível e ainda incerta exceção do Brasil, convivem nos últimos 20 anos com uma estagnação econômica que ameaça tornar-se crônica e cada vez mais difícil de ser superada.


Frente a tanta diversidade, como apontar o caminho para o desenvolvimento econômico?


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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