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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

No mundo da carochinha (1/3)

A evidente inapetência do governo para efetuar os ajustes fiscais - sem os quais não será possível atuar na base da crise orçamentária do setor público - fará com que a contenção dos aumentos de preços obtida nos últimos dois meses seja apenas mais um desvio na rota da inflação brasileira. Além disso, a insistência das autoridades econômicas em adiar importantes decisões poderá comprometer de vez os resultados conquistados desde a decretação do "choque verão".


Corre-se o mesmo risco verificado ao longo do Plano Cruzado, quando o fascínio pelos resultados de curto prazo fez o governo adiar os ajustes necessários para liberar a economia da camisa-de-força imposta pela estratégia antiinflacionária. Deu no que deu. Hoje começamos a viver situações semelhantes, porém mais complexas.


Congelamento a qualquer custo


A insistência em manter, ao menos formalmente, um rígido congelamento de preços, bem como o tabelamento da cesta básica de mercadorias, advém do diagnóstico de que inexistem crises de abastecimento; com raras exceções, também não se tem conhecimento de cobrança generalizada de ágio. Assim, o governo sente-se estimulado a continuar com o congelamento - cuja eficácia, contudo, é duvidosa - e a prosseguir com o tabelamento dos principais produtos de consumo, embora reajustando alguns preços esporadicamente.


Ocorre, porém, que o relativo equilíbrio dos mercados não é o resultado de uma adequada relação entre os fluxos de produção e de consumo. A produção tem corrido abaixo dos níveis de demanda, e se ainda não houve pressões altistas nos preços, é porque os estoques estão baixando e ajustando os fluxos de procura e oferta. O crescimento recente das vendas mostra que a reposição de estoques se tornará inevitável, quando então o excesso de demanda se tornará mais explícito, impactando os preços.


Cabe lembrar ainda que os altos rendimentos do mercado financeiro têm sido um grande incentivo para a desova de estoques, permitindo que o congelamento de preços ganhe alguns sopros adicionais de fôlego. O equilíbrio nos mercados é artificial e resulta fundamentalmente das elevadas taxas de juros.


Câmbio defasado


O câmbio está ficando atrasado. No entanto, os saldos comerciais continuam robustos. Esta aparente contradição pode ser justificada pelo diferencial de juros internos e externos. Exportadores antecipam a venda de suas cambiais para aplicar em cruzados; ao mesmo tempo, diminuem os estímulos para operações de transferências de capital por meio de sub ou super faturamento, sim, a manutenção dos altos superávits nas transações internacionais. Assim, a obtenção de divisas se tornará mais difícil dada a valorização do cruzado, que resulta da insistência do governo no congelamento do câmbio, um fato que ficará evidente quando os juros reais caírem.


Também a aparente estabilidade do dólar no mercado paralelo, que perdurou até meados de março, foi rompida pela evolução do ágio, que chegou a quase 100%. É uma clara demonstração da deterioração nas expectativas inflacionárias, bem como do impacto desestabilizador produzido pelo movimento de recursos externos altamente especulativos, atraídos pelas altas taxas de juros internos.


Aluguéis distorcidos


Os aluguéis residenciais mostram as ilusões que o país está vivendo. O congelamento e também a política de controles que vem sendo praticada nos últimos anos vêm causando enormes distorções no mercado imobiliário. A oferta vem caindo progressivamente. Assim, os preços nos novos contratos estão subindo (44% em fevereiro, segundo a Fenadi), enquanto se permite a criação de uma casta de privilegiados - os locatários com contratos antigos. Uma desastrada e inconsequente redistribuição de renda, que ainda acarretará muitos problemas para o país.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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