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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Os rendimentos do trabalho no Brasil

Em excelentes artigos publicados nesta Folha durante esta semana, alguns economistas da Unicamp e do Dieese apontaram problemas de fundamental importância para o futuro da economia do país. Trata-se da questão de como a economia distribui o seu produto, e de como a política governamental e a estrutura dos mercados no Brasil acabam gerando distorções que concorrem para explicar a crise que tomou conta do país.


Hélcio Tokeshi, no artigo de 12/4, mostra que o "choque verão" ameaça transformar os salários médios de 1988 em salários de pico, mesmo que as reposições das perdas em discussão entre governo, empresários e assalariados sejam efetuadas de forma adequada. De fato, trata-se da terceira vez que se pretende fixar salários pelas médias passadas - o que é absolutamente correto caso a inflação seja efetivamente eliminada; mas esta meta não foi atingida, o resultado contribui para uma crônica corrosão do poder de compra dos salários, para a compressão do mercado interno e para a deterioração dos padrões de distribuição de renda.


Os dados do IBGE (PNAD) mostram que em 1987 houve uma perda no salário médio real das pessoas ocupadas de cerca de 22% em relação ao ano anterior. Por sua vez, houve ganhos em 1986 - ano do Plano Cruzado - de cerca de 10% sobre 1985. Há indícios de uma pequena recuperação em 1988, mas que provavelmente serão revertidos pela política salarial do Plano Verão.


Em outro artigo publicado na Folha em 11/4, Conceição, Bresciani e Cavignato mostram o impacto da evolução salarial recente na composição de preços da indústria automobilística. A outra face do rebaixamento dos salários é a expansão dos lucros. Em menos de três anos - de março de 86 a dezembro de 88 - a participação dos salários no preço final caiu pela metade (de 6,4% para 3,2%), enquanto que os lucros aumentaram de 10,5% para 19,5%.


O que estes dados demonstram é a perversa evolução da economia brasileira. Atrelada a mercados cartelizados, e onde se pratica abertamente uma política de preços típica de estruturas oligopólicas, a economia mostra-se incapaz de gerar um mercado interno compatível com seu potencial de crescimento. Por outro lado, as empresas não são forçadas, via mecanismos competitivos, a buscar ganhos de produtividade e de eficiência econômica. Preferem manter suas margens de lucro à custa de um paulatino estreitamento do mercado interno, ou então pela expansão das exportações.


Sabe-se que um assalariado industrial no Brasil ganha, segundo dados do Bureau of Labor Statistics publicados recentemente na "Gazeta Mercantil", dez vezes menos que um norte-americano, cinco vezes menos que um espanhol, e aproximadamente o mesmo que um operário coreano. Mas a comparação mostra ainda que a situação brasileira vem-se tornando menos favorável ao longo dos últimos anos, pois entre 1975 e 1987 os salários brasileiros, relativamente aos norte-americanos, passaram de 14% para 11%, enquanto que nos países do sudeste asiático esta relação evoluiu de 5% para aproximadamente 13%. Estes números evidenciam as gritantes diferenças no nível e na evolução do bem-estar dos assalariados.


Neste artigo, gostaria de apontar para uma outra dimensão deste mesmo problema, qual seja a distribuição funcional da renda. Nota-se pela tabela anexa que o Brasil tem um perfil distributivo que vem-se deteriorando após uma evolução favorável na década de 60. Embora não haja dados para a década de 80, a observação empírica aponta no sentido de um agravamento da questão. Enquanto nos Estados Unidos os dados para 1985 mostram que os salários detêm cerca de 75% da renda nacional, suspeita-se que no Brasil este mesmo indicador deva estar abaixo da marca de 38% obtida em 1980.


Com base neste quadro, cabe concluir que o Brasil não caminha no sentido de gerar um mercado interno suficientemente forte para suportar a expansão e a modernização de sua economia. Pelo contrário, adota um modelo perverso no qual as forças de mercado tornam-se impotentes para fazer o país retomar seu impulso de crescimento.


Ao gerar um modelo que estreita e limita seu mercado interno - e que dificilmente poderá ser suprido pelos mercados de exportação -, a economia brasileira aprofunda um padrão industrial fortemente oligopolizado, e no qual surge a necessidade de uma maior concentração pessoal da renda para dar suporte ao parque industrial já instalado. Da mesma forma, ao não conceder absoluta prioridade à educação, à saúde, à alimentação e ao planejamento familiar, criam-se condições impeditivas da valorização do trabalho e da modernização tecnológica.


Finalmente, cabe alertar sobre a ineficácia das medidas legislativas para reverter o angustiante quadro da distribuição da renda no Brasil. A valorização do trabalho, e a retomada do crescimento, dependem muito mais das características estruturais da economia, uma preocupação que vem sendo perdida no quadro de profunda instabilidade que caracteriza o país ao longo desta década. Investir em capital humano, incentivar as inversões de capital e retomar o crescimento é a forma de tornar o trabalho relativamente menos abundante, e assim reduzir a parcela do rendimento do capital e incrementar a do trabalho. Foi assim que os países ricos fizeram.




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