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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O real e o ilusório na calmaria

É surpreendente a reversão ocorrida ao longo de algumas poucas semanas nas expectativas da inflação. Chega-se mesmo a ouvir expressões como "agora que o perigo da hiperinflação está afastado...". Por outro lado, também chama a atenção a fragilidade desta nova onda de confiança. Cabe indagar das causas deste inesperado clima de otimismo. É preciso avaliar até que ponto são reais e sustentáveis. Se frágeis, corre-se o risco de, a qualquer momento, voltar-se ao epicentro de uma inesperada e selvagem aceleração inflacionária.


Há algumas explicações plausíveis e reais para a repentina confiança que se apoderou da economia.


  1. Em grande parte, a reinflação após o Plano Verão se caracterizou por um fortíssimo componente expectacional. Assim, se as expectativas se tornam menos negativas — qualquer que sejam as razões, podendo até mesmo serem imaginárias — a inflação pode se estabilizar, ou até cair. Algo semelhante certamente está ocorrendo agora. Caso não surjam novos fatos, a estabilidade inflacionária poderá ocorrer de fato.

  2. A ascensão de Collor de Mello à posição de franco favorito nas próximas eleições presidenciais introduziu um elemento altamente tranquilizador na economia. Não existe mais o temor de vitória das esquerdas. Certo ou errado, este fato está associado a uma maior confiança na moeda, nos títulos públicos e nas forças de mercado. De outro lado, o enorme avanço das teses liberais na formulação da política econômica em todo o mundo, e também no Brasil, reforça o clima de relativa tranquilidade quanto ao futuro imediato da economia.

  3. O país começa a administrar unilateralmente sua dívida externa, sem represálias dos credores. Remessas de juros estão em atraso, e as operações cambiais estão centralizadas no Banco Central. Tudo isto cria uma certa folga nas contas públicas. A estratégia adotada, sem fanfarras ou bravatas, está dando certo. As reservas estão sendo protegidas, sob os olhares displicentes da comunidade financeira internacional.

  4. O efeito Orloff agora favorece o Brasil. Na Argentina, o governo Menem toma pé da situação e impõe certa disciplina. Isto é lido aqui como uma demonstração de que o monstro de hiperinflação é mais perigoso de longe do que de perto.

  5. O governo está tomando providências corretas para estabilizar a inflação. Induz a indexação generalizada — apesar dos riscos quando também aplicada aos salários —, eleva os juros, libera preços, reduz despesas, embora sem uma estratégia definida de longo prazo, permite reajustes nos preços relativos, apesar da inflação corretiva que advém desta medida. No geral, a política econômica de ordem conjuntural que vem sendo adotada é coerente com um esforço de contenção inflacionária.


Apesar destes avanços, seria levianidade afirmar que o Brasil afastou o perigo da hiperinflação. Pelo contrário, a adoção de uma estratégia de contemporização no ataque frontal às causas estruturais do fenômeno inflacionário poderá implicar ameaças ainda mais atemorizantes em futuro próximo. Certamente alguns irão acusar de impatrióticos todos aqueles que levantarem dúvidas quanto ao afastamento da crise. Mas é importante lembrar que a nova crença na estabilidade da inflação — que não é a mesma coisa que estabilidade da moeda — pode ser rapidamente revertida. Assim, é fundamental que o governo aproveite este período de calmaria para adotar as medidas que poderão definitivamente afastar o perigo de uma aceleração descontrolada da inflação. Além disso, mesmo que estabilizada, uma taxa de inflação de 30% ao mês é absolutamente inaceitável. Mais do que nunca, cabe uma ação corajosa para evitar uma movimentação pendular nas expectativas, bem como para estabilizar de vez a moeda, e não apenas a inflação. Além dos temas que aqui foram tratados, caberia agora analisar mais detalhadamente o que há de real em outros dados que vêm sendo trazidos ao público como evidência de que se caminha para uma vitória no combate à inflação. O atual clima de otimismo poderá estar calcado em informações incompletas, e em conclusões apressadas. Este será o tema a ser abordado no próximo domingo.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico da Folha.

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