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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Zélia e Osires

A menos de duas semanas da posse, o novo governo ainda não tem uma feição definida. Disse o presidente Collor que o futuro do país dependeria da atuação dos ministros da Economia e do Trabalho. Certamente todos os auxiliares diretos do presidente terão importantes papéis a desempenhar, mas de fato, os protagonistas fundamentais serão os titulares da Economia e da Infraestrutura. Conhecem-se os dois. Zélia Cardoso de Mello e Osires Silva. Mas não se conhecem ainda os planos concretos desses personagens, nem a equipe de seus auxiliares.


Não se deve mais postergar as definições. Apesar da relativa calma que se nota na economia brasileira, é preciso estar alerta para crises de instabilidade que poderão surgir a qualquer momento. Além disso, o dia 15 de março não será tão mágico quanto parece, pois a crise continuará mesmo após aquela data. Quem sabe até com maior intensidade. Nesse sentido, a equipe do novo governo deve começar a trabalhar imediatamente, preparando o terreno para sua chegada em cena. Não se pode confundir o desejo de causar impacto com o descuido das condições de entorno que balizarão o anúncio das novas medidas econômicas.


A montagem das equipes de governo será fundamental para o sucesso do plano antiinflacionário. O entrosamento entre os vários escalões da administração é certamente condição necessária para que o plano logre êxito.


A imprensa anuncia que grupos de pressão desejam impor ao novo governo seus próprios nomes para o Banco Central. No momento em que o presidente da República optou por Zélia, passa a ser inconcebível que a unidade da equipe seja comprometida com nomeações que não contem com o integral apoio da nova ministra. O presidente já deu mostras inequívocas de independência, de determinação e de ousadia. Certamente não admitirá interferência em suas escolhas. Não se trata de atender a este ou a aquele grupo de amigos, mas sim de comprometer a própria estratégia fundamentalmente da conjugação de estabilização. Esta depende de políticas fiscal e monetária consistentes.


Uma segunda condição de entorno extremamente importante para o sucesso do novo governo se encontra no ministério de Osires Silva. Além da importância da pasta no atendimento das necessidades básicas para a retomada do crescimento econômico brasileiro, o ministério da Infraestrutura terá a responsabilidade de levar a cabo um radical programa de privatização, de desregulamentação e de eficientização do Estado brasileiro. O impacto deste programa no curto prazo, como condição de sucesso do plano antiinflacionário mais global, não deve ser desprezado.


Aqui também a definição de nomes será de fundamental importância. Não se trata apenas de indicar auxiliares competentes e embuídos dos mesmos ideais do ministro e do presidente da República nas diversas secretarias do novo ministério. Trata-se, além disso, de colocar nas centenas de empresas estatais dirigentes comprometidos com o desmonte da ineficiência, do clientelismo e do corporativismo. Precisam ser pessoas que não esmoreçam frente aos ataques que sofrerão dentro de seus próprios ambientes de trabalho. Sofrerão investidas das mais violentas, mas não poderão jamais perder de vista que a meta final é a reforma das amputações que se façam da administração estatal, com todas as perdas que forem necessárias.


Com a indicação de Zélia e de Osires deu-se a largada. Será nesses dois ministérios onde se definirá o futuro do país. Da criação de condições para a retomada do crescimento auto-sustentado, é na Economia e na Infraestrutura onde o jogo será jogado. É na definição do restante da equipe, onde se encontram os riscos mais altos e mais ocultos.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor de economia da Folha.

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