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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O ortodoxo e o heterodoxo no Plano Collor

O Plano Collor ataca de frente o problema inflacionário. Não havia alternativa. O Brasil foi lançado na hiperinflação entre os dias 12 e 13 de março, quando se iniciou a corrida bancária. A economia estava totalmente tomada pela doença inflacionária. Não havia mais como evitar formas sistêmicas de tratamento, as únicas capazes de atacar todas as cédulas doentes do organismo econômico. Amputações, sedativos, anti-inflamatórios e outras formas de terapia heterodoxa têm efetividade apenas como coadjuvantes. A cura virá apenas no momento em que os remédios sejam injetados na corrente sanguínea da economia. Somente um tratamento convencional é capaz de fazer isto com efetividade. Um forte aperto fiscal e monetário, seguido de amplas e profundas reformas estruturais no país.


O Plano Collor tem o mérito de admitir esta verdade elementar. Desmistifica as falsas promessas dos planos heterodoxos, que juram realizar o controle inflacionário sem custos, sem recessão, e sem perda de emprego e de renda.


Porém, o Plano Collor adota duas medidas excepcionais. Impõe severas restrições à movimentação de recursos financeiros e adota um congelamento de preços, seguido de prefixação. Por que foram adotadas? Não bastaria uma terapia ortodoxa fortemente recessiva?


A resposta, ao mesmo tempo, é sim e não. Os dois instrumentos clássicos de estabilização seriam capazes de reverter a inflação em economias com características tradicionais. No Brasil, a dificuldade se encontra na identidade entre moeda e títulos públicos. Os economistas sabem como conter a oferta de moeda convencional. Elevam-se os juros, aumentam-se os depósitos compulsórios das instituições financeiras, corta-se o crédito. Aqui, contudo, estas medidas apenas tocariam em uma parcela muito pequena dos ativos monetários, pois não afetariam a moeda indexada. Além disso, como o governo é o maior devedor líquido da economia, a elevação dos juros inviabilizaria o ajuste fiscal, como ficou patente no ano passado. Fica explicada, portanto, a necessidade das restrições impostas à conversão do cruzado para o cruzeiro, como forma de reduzir a liquidez e permitir o equilíbrio fiscal.


Mas há outra explicação, ainda mais importante. Trata-se da determinação explicitada várias vezes pelo presidente Collor de que os custos do plano recairiam sobre as camadas de renda mais elevada. De fato, isto foi feito com maestria. Nota-se, portanto, que há razões para o empréstimo compulsório: a primeira de ordem técnica e a segunda de ordem política.


Urge afirmar, contudo, que do ponto de vista conjuntural, os custos da estabilização também serão cobrados dos trabalhadores. Haverá recessão e perda de emprego. Apenas em um primeiro momento a promessa de concentrar os custos da estabilização nos ricos será cumprida. Além disso, o empréstimo compulsório terá um alto custo para toda a sociedade, pois abala a credibilidade das instituições, exacerba o intervencionismo, contraria a ordem jurídica e poderá destruir o mercado de títulos públicos, um importante instrumento de financiamento do Estado. Os mesmos resultados sem estes inconvenientes poderiam ter sido obtidos mediante o uso de instrumentos tributários.


A explicação para o congelamento inicial de preços também está ligada à promessa do presidente de não prejudicar o assalariado. A manutenção da política salarial no mês de março - diga-se que qualquer alteração seria recebida com enorme desconfiança pelas lideranças trabalhistas - apenas poderá recuperar o poder aquisitivo do assalariado se houver um congelamento de preços. Os salários terão ganhos nas próximas semanas, embora a massa salarial deva cair logo em seguida. Isto implica dizer que o assalariado capaz de manter seu emprego terá ganhos, enquanto aquele que for demitido sofrerá a mais absoluta perda - a de seu emprego. Neste último caso, resta verificar como o governo pretende assistir a esta parcela da população.


A prefixação é imposta como uma forma de limitar os ganhos salariais e também como forma de acomodar os reajustes nos preços públicos. A regra de livre negociação para repor as diferenças entre a inflação prevista e a realizada não favorecerá o trabalhador, pois a economia estará imersa em forte desaquecimento.


Em conclusão, o plano é clássico em sua essência. As medidas mais heterodoxas são fundamentalmente maneiras engenhosas de distribuir perdas de acordo com as promessas políticas do presidente.

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