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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O futuro do Plano Collor

O Plano Collor vem acumulando vitórias. Percebe-se nitidamente que os agentes econômicos entenderam a lógica do programa. Convenceram-se de sua necessidade, e se for bem administrado ao longo dos próximos meses, certamente irá debelar a crise inflacionária e repor a economia em uma trajetória de crescimento.


Mas há nuvens pesadas no horizonte. As violências que vêm sendo cometidas pelas autoridades da Receita e da Polícia Federal, bem como o aparente descaso para com as normas constitucionais brasileiras, estão se revelando o primeiro grande erro de implementação do Plano Collor.


O cerne da política de estabilização, que é apenas uma parte do plano, acha-se na constatação de que a massa de recursos financeiros estimada em cerca de US$ 120 bilhões jamais encontraria contrapartida no setor real da economia. Neste sentido, não poderia ser transformada em consumo nem em investimentos, apenas em mais inflação. O mito de que a liquidez do setor privado poderia dar início a um amplo processo de recuperação dos investimentos era uma miragem que se desfazia a cada tentativa de realização.


Os agentes econômicos compreenderam esse fenômeno. Acham-se dispostos a aceitar as novas regras do jogo, pois, afinal, compreenderam que não tinham nada em suas mãos. Essa é a lógica do plano, como de resto sempre foi a lógica de qualquer programa de estabilização que contemplasse um calote, desvalorização, congelamento, ou o que seja, da dívida interna. Portanto, o Plano Collor não surpreendeu em sua concepção.


A grande surpresa veio do próprio presidente. Sua firmeza, determinação e coragem são os fatores que garantiram o sucesso inicial do programa. Quem imaginaria que os detentores de títulos financeiros seriam confiscados em 80% de seu valor? Quem imaginaria que o arrocho de liquidez seria o que foi? Quem imaginaria que um político teria força para isso? O presidente ousou. Isso garantiu a vitória inicial de seu programa de estabilização.


Porém, essa mesma temeridade poderá colocar tudo a perder. O governo acha ser possível controlar todas as variáveis na economia. Em um sistema de mercado, pode-se impor preços e deixar a quantidade se ajustar, ou fixar a quantidade e deixar que os preços encontrem seus patamares de equilíbrio. Somente a força e o arbítrio serão capazes de fixar as duas variáveis, e mesmo assim, apenas temporariamente. Vejamos o que ocorre no Plano Collor.


O congelamento de preços foi sabiamente decretado para perdurar apenas 30 dias. Além disso, é reconhecidamente redundante. Portanto, a quantidade está livre para sofrer ajustes.


No caso do mercado de trabalho, contudo, o presidente comete um terrível equívoco. Quer determinar todas as variáveis do sistema. A política salarial é dada. E a política antiinflacionária é necessariamente contracionista, e portanto, irá gerar um forte aumento nas taxas de desemprego, como já vem ocorrendo. Contudo, o governo coloca a polícia e a Receita Federal para evitar demissões. Em outras palavras, deseja impor preço e quantidade ao trabalho. Se, inadvertidamente, o presidente Collor for induzido a essa queda de braço, irá perder, e poderá comprometer o programa de estabilização.


A solução se encontra na administração da política monetária. É preciso uma criteriosa avaliação conjuntural para evitar que a recessão se transforme em depressão. É possível, também, aumentar o custo das demissões. A ampliação do seguro-desemprego e a distribuição de alimentos encontram limitações orçamentárias. Uma solução alternativa para reduzir o custo social da estabilização seria uma legislação de emergência que transferisse da conta bloqueada do ex-empregador recursos para garantir ao desempregado um certo nível de rendimentos por um determinado período de tempo. Seria uma política anticíclica eficaz, que automaticamente garantiria o ajuste da política monetária no sentido de evitar uma recessão excessivamente profunda.


O Plano Collor entra em sua segunda semana mostrando uma excelente performance. A economia começa a se ajustar às novas condições de liquidez. Os bancos e os mercados secundários já começam a transferir excedentes dos setores superavitários para os deficitários. Os pagamentos das folhas salariais de março irrigarão a economia com cerca de US$ 7 bilhões nas próximas duas semanas. Logo a economia estará encontrando um novo patamar de funcionamento. Com inflação baixa e com um nível de atividade também mais baixo. Porém, começará a funcionar, iniciando um novo ciclo de geração de poupança que em alguns meses será capaz de dar os primeiros passos na recuperação dos investimentos.


A melhor coisa que poderia ocorrer agora é deixar a economia funcionar, sem interferências, sem tentativas de impor o que não pode, e não deve ser imposto. A consolidação do programa de estabilização precisa de tranquilidade, de confiança e de um clima propício ao desenvolvimento de negócios. Ainda há tempo para corrigir equívocos e evitar que as arbitrariedades cometidas nesta semana comprometam o sucesso que se vislumbra para o Plano Collor.

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